segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Cultura Acadêmica: onde foi parar?



Cultura Acadêmica: onde foi parar? 

Por Victor Lacerda

É evidente que falta na Faculdade de Direito do Recife uma vivência acadêmica. Andem pelos corredores, pela praça e pelo subsolo: poucos são os vestígios da instituição que abrigou a Escola de Recife. A impressão que se tem é que a Faculdade se tornou escola. Largou o cetro de ensino superior e contentou-se em ser um prolongamento do ensino médio. O chamado “pacto da mediocridade” já foi descrito à exaustão pelo meu colega de Direito em Foco, André Lucas Fernandes, e sua existência é verificável em todas as turmas da Faculdade. O fenômeno é conhecido: o aluno não quer assistir aula e o professor não quer dá-la. O resultado se traduz em perda de tempo para ambas as partes. Mas esse é um problema de dentro da sala de aula, e não é aí que está o problema que desejo apontar. 
Com a aprovação do Projeto Político-Pedagógico em 2014 esvaiu-se a chance de a Faculdade experimentar um currículo flexível e apto a receber diferentes tendências de aprendizado. O maior entrave para um curso feito de eletivas foi o pesado lobby feito por uma parcela de professores que (a despeito de seu escandaloso despreparo quando da votação da grade de horários) de tudo fez para engessar o curso e garantir que suas próprias cadeiras se tornassem obrigatórias. É curioso, deveras curioso, não é mesmo? Qual pode ter sido a motivação para que uma parcela significativa da comunidade docente tenha se oposto de maneira tão vigorosa à uma maior liberdade acadêmica? Seria o fato de que havendo escolha de eletivas os professores iriam ser obrigados a fazer esforços pedagógicos para atrair alunos para suas salas de aula? Nunca saberemos. Alguns docentes optaram pela estagnação, lutando ferozmente pela inclusão de suas disciplinas no rol de cadeiras obrigatórias. Apesar disso, nossa nova grade de horário traz muitas melhorias, mas estas giram em torno da sala de aula, e já dissemos que não é aqui onde jaz nosso problema.
Não, meus caros. Nosso predicamento não poderia ser aliviado com mudanças na nossa grade de horário, porque esta só é capaz de mudar o que acontece dentro das salas de aula, e devemos olhar para o lado de fora. A Faculdade de Direito precisa urgentemente produzir saber, e para que isto aconteça é necessário que determinadas condições estejam presentes. Falta-nos uma cultura acadêmica, e é preciso construí-la o mais rápido possível. 
Só há um grupo dentro da Faculdade de Direito que detém consigo a força para dar o arranque inicial e conduzir com estabilidade a Academia: o corpo docente. Não é o Diretório Acadêmico, não são os grupos de extensão, não são os grupos de estudo nem alunos aleatórios que têm o dever de promover a cultura acadêmica. São os professores quem devem fazê-lo. O corpo discente é rotativo e transitório, a cada ano dezenas saem da Faculdade e dezenas entram. O corpo docente representa a permanência. Como esperar que toda a iniciativa de dar as coordenadas para a criação de uma cultura acadêmica e de melhorar o ensino jurídico parta dos alunos? Os professores são aqueles que atravessam décadas dentro da instituição. Um professor ruim que entre na Faculdade terá a capacidade de destruir gerações de alunos, e um professor bom terá a capacidade de inspirar uns tantos outros. É óbvio que quando falo em professores a direção e  a coordenação do curso fazem parte deste grupo. Estas também precisam ser vetores de criação de políticas internas destinadas à produção de saber.
Temos muito professores, mas precisamos de acadêmicos. Falta à Faculdade de Direito do Recife o fervor do acadêmico que tem uma tese e deseja defendê-la perante outros estudiosos do Direito. Estudamos em uma Universidade em que professores não discutem teses entre si, não há combate entre marcos teóricos divergentes nem divulgação das teorias de professores que deixaram um grande legado intelectual, mas que se perderam com o passar do tempo. A existência de professores que se esforcem para produzir saber e para causar fervor na comunidade acadêmica pode mostrar que há, na Academia, um mundo a ser explorado e que a pesquisa jurídica não é uma bobagem que se faz no começo do curso para ganhar horas NAC. Temos apenas algumas atitudes esparsas, incapazes de acender nossa Faculdade. Somos uma Faculdade que acontece dentro das salas-de-aula, tal qual uma escola de ensino médio. Acha que há vida na FDR? Ande pelos corredores durante a tarde: não se escutará vivalma. Talvez um pássaro que esteja aninhado em uma das palmeiras do pátio interno.
 A Academia está dentro e fora da sala de aula, deve ir até os alunos e mostrá-los que a produção de conhecimento é algo vivo, intenso e valioso. É irreal esperar que os alunos, sem bagagem teórica prévia, sem inúmeros doutorados e pós-doutorados obtidos no estrangeiro (e tão divulgados dentro das salas de aula!), sem ferramentas metodológicas adequadas consigam realizar, sozinhos, o que aqueles que vivem a Faculdade através das décadas não têm interesse de realizar. Procura-se a Nova Escola do Recife, procuram-se acadêmicos e procura-se um ensino jurídico que não faça alunos fingirem que aprendem, e professores fingirem que ensinam.

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