quarta-feira, 4 de março de 2015

Cadeiras dogmáticas são dispensáveis na formação do jurista


Aos professores da Faculdade de Direito do Recife que,
no Colegiado de Graduação, soltaram pérolas como:
"Pra que hermenêutica? Tira isso!" ou "Psicologia e
Antropologia podem ser dadas na mesma cadeira.
É uma coisa só."ou "Não são vocês que querem crítica
e direitos humanos? Cadê direito ambiental como
obrigatória? E previdenciário?" ou "Vão reduzir
MAIS uma cadeira de processo? Eu me recuso a ficar aqui." 


Por André Lucas Fernandes

Acho que com um título polêmico assim eu consigo a atenção das pessoas. Consegui? Torço por isso. Mas vamos ao que interessa. Não, eu não acho que as dogmáticas são verdadeiramente dispensáveis. Gostaria de abordar uma classificação simples e direta que perpassa minha mente e que explicaria a estrutura que todo curso de Graduação em Direito deveria ter. A presente classificação está alinhada aos fatores da flexibilidade, interdisciplinaridade e com uma concepção de ciência jurídica nos moldes de Pontes de Miranda.

A formação do aluno de direito quanto à grade e oferta de cadeiras se dá sempre em três frentes: disciplinas metajurídicas, disciplinas propedêuticas e, por fim, disciplinas dogmáticas específicas

As disciplinas metajurídicas são aquelas que o senso comum teórico identifica como “não-jurídicas”, estando à margem. São as “ias” que relacionam o direito ao campo das ciências humanas e sociais: sociologia, filosofia, antropologia, psicologia entre outras. A função das metajurídicas é, de forma simples, situar o direito dentro de um campo de saber que exige a interdisciplinaridade para otimização da análise. As metajurídicas submetem o saber dogmático e também o da ciência do direito [distinção que não vou aprofundar agora] ao escrutínio das pesquisas no âmbito das ciências humanas e sociais aplicadas e suas conclusões. Além disso, elas municiam a ciência jurídica com elementos que fazem parte da complexa “equação” que o direito lida, enquanto prática e ciência. Um exemplo simples seria o fornecimento de embasamento psicológico voltado à análise do elemento subjetivo do injusto no Direito Penal. Ou o desdobramento do direito em relação aos conflitos “de borda” como os da juridicidade difusa indígena e os costumes típicos de sociedades fechadas, mas que estão dentro do território nacional e, por isso, são alvos da incidência do ordenamento jurídico brasileiro. A lista é interminável.

As disciplinas propedêuticas são aquelas responsáveis por formular o arcabouço fundamental ao conhecimento jurídico dogmático. As propedêuticas são cadeiras dogmáticas, mas estariam mais próximas da zona difusa entre pensamento zetético e dogmático, devendo receber o input direto das disciplinas metajurídicas e da produção do conhecimento científico do direito. Teoria Geral do Direito, Teoria Geral do Direito Civil, TGD Penal, História do Direito e afins poderiam ser encaixadas, com alguma consistência nessa caixa. Elas olham para o mundo dos fatos, mas projetam seu saber na construção do saber dogmático e do sistema jurídico, aperfeiçoando a sua coesão e coerência. Para Pontes de Miranda, por exemplo, seria a fase que, após a análise indutiva dos fatos, falaríamos em dedução segura – estritamente atreladas à observação e interpretação da realidade.

As disciplinas propedêuticas, numa metodologia adequada, fazem ponte direta à análise de casos fáceis e difíceis, são atravessadas por análise de julgados e pela prática jurídica – da mais comezinha [redigir uma procuração] até a mais complexa [produzir um contrato para relações comerciais entre multinacionais ou analisar a forma de julgamento nos crimes de guerra pelo Tribunal Internacional de Justiça]. Ou seja, estão diretamente vinculadas à associação entre teoria e prática. 

As dogmáticas específicas, por outro lado, são aquelas disciplinas que, dando continuidade às propedêuticas, voltam-se aos códigos e textos e esmiúçam “verticalmente”, o tema. Na estrutura do ““PPC”” antigo da Faculdade de Direito do Recife imperava a ideia de que as disciplinas propedêuticas deveriam teorizar somente, e as específicas deveriam falar do código, somente. São anos de acumulo e deturpação da lógica, hoje já superada, contida na reforma de 1994. A Faculdade de Direito do Recife está, assim, no início da década de 90, quando um modelo de ensino já se mostrava cambaleante. Um exemplo: na grade antiga as disciplinas de Penal 1 e 2, teoria do crime e da pena, seriam classificadas como propedêuticas. Por outro lado, Penal 3 e 4, são dogmáticas específicas – da pior qualidade, diga-se de passagem.

É esse último grupo de cadeiras e disciplinas que é, em verdade, dispensável. Um projeto pedagógico adequado exige a crítica “externa” fornecida pelas metajurídicas e a crítica “interna” fornecida pelas propedêuticas, dadas através de metodologias minimamente atualizadas e variadas que superem o paradigma enciclopedista e expositivo. Na prática o que se observa é que as dogmáticas específicas não se voltam nem para a “análise dos tipos”, para ficar na linguagem penalista, associada ao esmiuçar de casos e crítica sistêmica. Ou seja, são inúteis.

O que deve ser feito?

Integralizado e fortalecido o grupo das metajurídicas e propedêuticas, as dogmáticas específicas atuariam como especialização já dentro da graduação.

Isso ocasiona o fenômeno da flexibilização, como observado no PPC-UNB (2012). Ou seja: o aluno que domina [e não apenas “passa o mais rápido possível”) o conhecimento de crítica externa e o conhecimento que constrói e critica internamente a dogmática jurídica, com observação da práxis e com a prática em sala [análise de casos, simulação, rpg entre outros] chega ao meio do curso com a capacidade de direcionar sua graduação para um ou mais de um ramos dogmáticos específicos [que se integram à grade pela proposta de eletivas constantes pelo corpo docente] ou para uma análise filosófica e científica do direito. A flexibilização permite, também, que o aluno faça todas essas coisas ao mesmo tempo. Além de permitir que, interessado em mudar de ramo, corrija sua formação até o final do curso, com calma e responsabilidade.

Não é a toa que tal paradigma associe todas as condicionantes do exercício da liberdade: escolha possível, capaz e responsável.

O papo sobre extensão e pesquisa, que compõem o ciclo obrigatório da formação acadêmica por comando constitucional, fica para outro momento ou para as reuniões do Direito em Foco. Apareça!

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