quarta-feira, 8 de julho de 2015

Um sincero obrigado ao movimento estudantil




por Ednaldo Silva







Quando se vai ficando velho, é comum lembrar de fatos passados pesando a sua importância na própria formação — ao menos com meus avós foi assim: "ah, meu neto, eu aprendi muito com o velho. Certa vez..." é uma das que mais escutei de minha avó paterna. No fim das contas, todo velho protagonizou uma epopéia — ou ao menos gostaria de ter vivido uma.

E, bem, cronologicamente não sou nada velho, tenho 20 anos. Eu sei, é verdade, estou mais para aqueles jovens imberbes que invejam a imponente barba dos avós enquanto esperam ansiosamente pelo dia em que inaugurarão a gilete. Porém, em termos de graduação, sou um velho. Estou no 7ª período de um curso de 10, mais pra lá do que pra cá, e aceitei o diagnóstico que me foi ofertado por um amigo: vivo a crise da segunda metade do curso — seja lá o que isso queira dizer. Sendo assim, como velho que sou, tenho me permitido me alongar demais no desnecessário e procurar na minha passagem pela graduação os tais acontecimentos dignos de nota.

Até o momento contei 5. Um deles foi a minha primeira eleição do diretório acadêmico, na qual tive sorte: essa eleição foi marcada pelo surgimento de um novo movimento estudantil na casa, que passou a ter 3. Se o debate ideológico já era considerável antes, passou a ser maior. Aquela não era bem a efervescência científica e cultural que eu esperava quando ingressei na universidade, mas, diante do quase um ano de completo marasmo, já era algo. Os corredores bastante ocupados e os alunos dispostos ao embate franco — às vezes dispostos até demais — foi o suficiente para me levar, em um caminho sem volta, a preferir as conversas dos corredores à maioria das aulas, algo do que não me arrependo.

Mas enfim. Se na época o movimento estudantil da minha faculdade já me encantou pelo simples engajamento, um certo tempo depois percebi que ele tem uma importância um pouco maior. Tais grupos são hoje os principais responsáveis por exercer, mesmo que não da forma mais adequada, a discussão política na academia jurídica, a qual é essencial.

Um dos meus juristas preferidos, Luis Alberto Warat, falava da necessidade de carnavalizar o direito em prol de um exercício mais democrático de tal poder. Warat demonstra acreditar que, de fato, as possibilidades de exercício do poder, a partir dos instrumentos já existentes, são limitadas. No entanto, seria possível, a partir da boa compreensão do funcionamento destes vários instrumentos de poder, utilizá-los de "formas melhores" — termo tão preciso quanto um texto de blog permite ser. Envolta nesta idéia está a carnavalização do direito: torná-lo acessível aos nossos desejos, de forma que possamos dar luz aos nossos anseios. Assim, tornar o direito um pouco mais propenso à sugestões sobre seu conteúdo e seu funcionamento a partir de um debate mais amplo destas questões seria essencial para um exercício democrático do poder jurídico.

Este reconhecimento de que o exercício do direito tem um importante papel político, que não pode ser ignorado, pode parecer algo um tanto quanto óbvio, mas não o é, ao menos se olharmos para o atual ensino do direito. É dificílimo encontrar professores que, em suas aulas, contextualizem o uso da ferramenta jurídica, apontando, por exemplo, que tipo de efeitos a produção de uma norma jurídica — no sentido mais lato possível do termo, compreendendo desde os códigos até as decisões judiciais — têm tido sobre a sociedade, ou refletindo sobre as possibilidades do uso de institutos jurídicos para integrar setores da sociedade hoje marginalizados.

E, se os professores não fazem esse tipo de análise, os movimentos estudantis são hoje, na maioria das instituições federais, os responsáveis por oferecer aos estudantes de direito a possibilidade de ter um mínimo de contato com debates políticos durante a graduação. Realmente, isto não é feito da "forma acadêmica" — e nem cabe exigir que o seja —, mas, em meio à completa ausência, é um avanço. Não há, na maior parte das vezes, o exercício da interseccionalidade entre política e direito, mas há, ao menos, a apresentação do cenário político, e conhecê-lo é o primeiro passo de um caminho longo que precisa ser percorrido: reconhecer que a política criminal falhou no combate as drogas, por exemplo, é o primeiro passo para desenvolver formas jurídicas voltadas para a solução do problema, tenham elas pretensões abolicionistas ou meramente reformadoras.

E, veja bem, isto não se trata de mero comprometimento ideológico. É questão de responsabilidade. Que o jurista tenha acesso às mais diversas vertentes e possa escolher, o mais livremente possível, qual prefere seguir; contudo, ele não deve simplesmente ignorar as consequências que se tem ao escolher entre um sistema tributário que foque no consumo ou na renda, por exemplo. Ignorar o viés político do direito não o faz sumir.

Esta é uma análise sistêmica extremamente necessária e, se não pode ser desempenhada exclusivamente por juristas, visto que requer, também, certos dados muito melhor manejados por outros saberes, como a sociologia, precisa ser, também, desempenhada por juristas. No momento em que se redige um código penal, por exemplo, não se pode ignorar, entre a redação de artigos e incisos, os efeitos que a tipificação terá; se será responsável por promover mais segregação, se é motivada por pura estigmatização ou existe boa razão que a justifique... Não agir de tal forma é ser completamente irresponsável. É contribuir para a consolidação de um modelo de sociedade sem sequer refletir sobre a contribuição feita.

Tão irresponsável quanto, por exemplo, ser um juiz que, ao aplicar a legislação civil, ignora os efeitos da sua interpretação sobre setores minoritários da sociedade. De fato, não há apenas uma resposta certa no direito, mas apenas respostas válidas ou inválidas: ou o jurista manuseou bem o arcabouço conceitual, ou não. Então, que o jurista seja "livre" dentro da sua própria capacidade de fundamentar juridicamente sua linha argumentativa, mas que aja com plena consciência das escolhas políticas que faz. Ou seja, conhecer a política jurídica é algo necessário tanto para acadêmicos, quanto para promotores, procuradores, juízes...

Por isso, aproveito e agradeço aos movimentos estudantis da minha faculdade por terem facilitado o contato com este tipo de discussão, que, a depender dos meus professores, só teria tido pouquíssimas vezes, contáveis nos dedos das mãos — de uma das mãos, sendo mais preciso. A todos, sem exceção. Embora tenha minhas discordâncias — principalmente na forma de proceder, às vezes incisiva demais, a meu ver —, mais com uns do que com outros, é preciso ser justo e reconhecer que nisso todos tiveram sua parcela de importância.

Inclusive, este é um tipo de agradecimento que pode parecer um tanto quanto dispensável, mas não o é. Em um momento em que muitos juristas esquecem que seu trabalho envolve pessoas, quem nos lembra delas precisa ser elogiado.

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