sexta-feira, 21 de março de 2014

Por Juristas Artistas



Por Ednaldo Silva¹

Não escrevo muito, nem o que escrevo me agrada. Mas, mesmo assim, acabei criando um certo hábito de, vez ou outra, passar a caneta pelo papel. E, em meio a essas "canetadas", me surpreendi com o quanto aquelas letras manchadas conseguiam falar sobre mim. Tal possibilidade de ler a mim, o autor, na minha obra - se é que podemos chamar os rabiscos que faço de obra -, por sua vez, me fez constatar algo: artisticamente, a Faculdade de Direito do Recife (FDR) está morta, e isto não é algo "apenas" ruim, é um problema.

O futuro bacharel carregará em suas mãos a coercitividade: lex imperat, non docet. O hoje estudante de Direito, através do aparato coercitivo do Estado, terá, em suas mãos, a possibilidade de interferir na vida de pessoas. No entanto, durante sua graduação, as pessoas não são o principal objeto trabalhado. As atenções se voltam para outros objetos: norma, direito subjetivo, direto objetivo, fato jurídico... O futuro bacharel imerge dentro de uma realidade que pouco se compromete com o passar das estações de lá de fora. A realidade jurídica tem suas próprias engrenagens, tem sua própria dinâmica, onde tudo parece se transformar em um mero confronto de fontes jurídicas. Parece, mas não o é. Algo pode sim estar no mundo sem estar nos autos. Embora possa não ser tão claro quando se convive apenas com pilhas de processo a se protocolar, o Direito envolve, principalmente, pessoas.

Sendo assim, a capacidade de conhecer o outro e integrá-lo ao procedimento jurídico é algo extremamente importante na prática do Direito. O bom jurista deve saber que o Direito não se reduz à legislação e jurisprudência, percebendo que o fenômeno jurídico está imerso em um ambiente político e que, portanto, propaga política. Perceber e conseguir dimensionar a atividade jurídica como permeada por um conteúdo político é um importante passo para um Direito "altruísta", que, ao ser exercido, percebe o outro enquanto indivíduo e leva isto em conta no seu exercício.

No entanto, como querer que o jurista pense e conheça o outro, se durante 5 anos ele foi ensinado a ver o fenômeno jurídico como um mero conflito de argumentos? O estudante de Direito, hoje, é conduzido a um exercício profissional que o aproxima de um burocrata: um sujeito que reduz suas questões a documentos e prazos. A única "pessoa" que encontra espaço dentro do ensino jurídico atual é o conceito ditado pelo Código Civil.

E é aí que a importância da presença da arte no ensino jurídico se revela. Ao notar que era possível ler a mim nos meus textos, foi que percebi o quanto toda manifestação artística carrega e propaga um pouco do seu autor. A manifestação artística "fotografa" o ambiente em que nasceu, transformando seus autores e valores em uma imagem, que, por sua vez, será difundida. Desta forma, a arte pode ser utilizada como uma forma de levar as "pessoas" para dentro do ambiente do ensino jurídico e, por consequência, ao mundo jurídico: ao entrar em contato com uma manifestação artística qualquer e, consequentemente, com seus "autores", com os sujeitos que são "fotografados", o futuro jurista tem a possibilidade de conhecer o tal outro para que possa lembrar-se dele na sua prática jurídica, inserindo-o na mesma; contato este que pode acontecer das mais variadas formas: há um certo conhecimento do outro quando um grupo de Maracatu é levado para tocar dentro do prédio da faculdade e o estudante percebe que nunca tinha visto tantos negros frequentando a casa, ou quando ele escuta "Another brick in the Wall", de Pink Floyd, e percebe que sua realidade não é muito diferente daquela retratada na canção, ou quando ele lê "Os Miseráveis" e percebe o quanto, na obra, o Direito Penal foi capaz de criar um Jean Valjean totalmente oposto do Jean Valjean real, entre outras várias situações.

Desta forma, a ausência do convívio artístico é um problema na mecânica do ensino jurídico atual. É um problema que não deve ser reduzido a mero saudosismo em relação ao passado ocupado por Castro Alves. É mais do que isso. É a perda de mais um instrumento de combate a um processo de ensino que não forma juristas, mas sim burocratas, e péssimos burocratas. A arte é um instrumento que deveria estar sendo utilizado, e não só pelos alunos de forma espontânea, como através de grupos artísticos independentes. A arte tem que ser levada, também, para dentro das salas, como forma de se trabalhar o conteúdo jurídico. Que o tal condor não ocupe apenas os céus, mas também se faça presente nos corredores da instituição que um dia já teve Castro Alves a declamar poemas, lembrando-a de o quanto o Direito é mais do que lei e jurisprudência.

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¹ É aluno da graduação da Faculdade de Direito do Recife - Universidade Federal de Pernambuco. Membro do grupo Direito em Foco.