Gabriella Sabatine
É
de comum entendimento a existência de uma primazia masculina na construção e no
exercício do direito ao longo da história. A participação da mulher na tão
solene Ciência Jurídica é caracterizada por uma parcela mínima de visibilidade
e o fato de sermos coadjuvantes nesse processo; além de, infelizmente, ter se
transformado em algo natural, possui consideráveis efeitos sociais, que indicam
o descompasso existente entre o mundo jurídico e a sociedade contemporânea.
Como consequência de uma estrutura social patriarcalista, em que a mulher
depende da associação à figura masculina como forma de legitimar suas ações e
assim permitir a vivência em um espaço, independente da competência ou do
esforço existentes, tem-se uma pequena inclusão feminina na estrutura jurídica
e, quando esta existe, é dada em segundo plano. A presença de tal lógica acaba
por imprimir esses valores na criação do direito e, principalmente, em seu
exercício, numa prática de tolhimento feminino nos mais diversos aspectos, em
uma estrutura que atravessa os séculos e, só após muitas disputas, começa um
processo de reversão.
Sob a pena de manter-se
descompassado da realidade existente, o direito buscou evoluir em suas teorias
e mecanismos, mas sempre sob o vértice masculino, fato que expunha um
desenvolvimento seletivo, condizente com as estruturas sociais existentes à
época. Apenas a partir do século XIX, com a ascensão do movimento feminista, e
a mudança de perspectiva proporcionada pelo surgimento de diversas vertentes
desse movimento, buscou-se alterar o paradigma de poder masculino, exigindo a
inclusão da mulher nos aspectos formais e materiais da sociedade. Assim, tem
início a desconstrução do nosso papel social, passamos a lutar com mais força
por nosso espaço e, nas últimas décadas do século XX, o movimento feminista
estendeu suas exigências não só à inclusão feminina, mas também à outras
minorias e o respeito à vivências diversificadas, características de uma
sociedade cada vez mais complexa, que requer uma adaptação das instituições à
convivência social, mantendo um diálogo constante entre essas estruturas e
tornando-as não apenas representativas em seu contexto formal, mas também eficazes.
Refletindo as latentes
transformações de perspectiva, a estrutura patriarcal passa então a ser
questionada e progressivamente desconstruída nas mais diversas áreas, em um
caminho também percorrido pelo direito. A voz feminina ganha espaço através dos
estudos desenvolvidos pelas teorias feministas do direito e surgem grandes
teóricas como Hannah Arendt e Martha Chamallas, que não estiveram circunscritas
aos estudos sobre a condição da mulher dentro da estrutura jurídica, mas que
são pouco reconhecidas nas demais áreas de atuação, em virtude da pouca
visibilidade feminina existente. Com o decorrer das décadas, alcançamos uma
evolução nos debates acerca do espaço da mulher e passamos a constituir a
maioria da população brasileira, representamos mais de 50% do total de
matrículas nos cursos de direito do país no último ano e mais de 50% dos
estudantes concluintes dos cursos de direito nos últimos três anos[1].
Entretanto, mesmo constituindo maioria nos serviços privados de advocacia e com
um ingresso em cargos públicos crescente, constituímos apenas 9% dos membros do
parlamento e menos de 20% dos cargos de decisão do Judiciário, quando, na base
desse poder, somos mais de 40%[2]. A
constatação da baixa representatividade existente, permitida pela breve análise
desses dados, evidencia a presença de uma igualdade de participação de gêneros
apenas formal e constitui um paradoxo, presente não somente no direito, mas
também na sociedade. Ainda que haja figuras inspiradoras, que dão visibilidade
ao empoderamento feminino, como a desembargadora Maria Berenice Dias ou a juíza
Luislinda Valois, a estrutura jurídica representa um obstáculo à conquista de
espaço, impondo embates diários para a transformação dos valores patriarcais e
a criação de um direito realmente igualitário, alinhado às necessidades
contemporâneas.
Assim, surge o desafio do
direito contemporâneo e o provável caminho a ser seguido em seu futuro. Ao unir
os avanços já alcançados na conquista do espaço e da representatividade
feminina e promover uma alteração mais profunda nos valores propagados pela
estrutura jurídica, diminuir-se-á a discrepância existente entre a progressiva
desconstrução do papel da mulher e a efetividade desta no meio jurídico,
produzindo assim uma verdadeira transformação no direito. A maneira como tal
processo será conduzido ainda constitui uma incógnita, mas é certo o seu
caráter determinante para a evolução do direito em uma série de aspectos,
percorrendo um caminho irreversível e que acabará por selar uma nova perspectiva
sobre a nossa força e importância, honrando o passado de lutas e oferecendo
novas oportunidades para o futuro.