quarta-feira, 19 de agosto de 2015

A participação feminina no Direito

                                                                                                      Gabriella Sabatine     

          É de comum entendimento a existência de uma primazia masculina na construção e no exercício do direito ao longo da história. A participação da mulher na tão solene Ciência Jurídica é caracterizada por uma parcela mínima de visibilidade e o fato de sermos coadjuvantes nesse processo; além de, infelizmente, ter se transformado em algo natural, possui consideráveis efeitos sociais, que indicam o descompasso existente entre o mundo jurídico e a sociedade contemporânea. Como consequência de uma estrutura social patriarcalista, em que a mulher depende da associação à figura masculina como forma de legitimar suas ações e assim permitir a vivência em um espaço, independente da competência ou do esforço existentes, tem-se uma pequena inclusão feminina na estrutura jurídica e, quando esta existe, é dada em segundo plano. A presença de tal lógica acaba por imprimir esses valores na criação do direito e, principalmente, em seu exercício, numa prática de tolhimento feminino nos mais diversos aspectos, em uma estrutura que atravessa os séculos e, só após muitas disputas, começa um processo de reversão.
                Sob a pena de manter-se descompassado da realidade existente, o direito buscou evoluir em suas teorias e mecanismos, mas sempre sob o vértice masculino, fato que expunha um desenvolvimento seletivo, condizente com as estruturas sociais existentes à época. Apenas a partir do século XIX, com a ascensão do movimento feminista, e a mudança de perspectiva proporcionada pelo surgimento de diversas vertentes desse movimento, buscou-se alterar o paradigma de poder masculino, exigindo a inclusão da mulher nos aspectos formais e materiais da sociedade. Assim, tem início a desconstrução do nosso papel social, passamos a lutar com mais força por nosso espaço e, nas últimas décadas do século XX, o movimento feminista estendeu suas exigências não só à inclusão feminina, mas também à outras minorias e o respeito à vivências diversificadas, características de uma sociedade cada vez mais complexa, que requer uma adaptação das instituições à convivência social, mantendo um diálogo constante entre essas estruturas e tornando-as não apenas representativas em seu contexto formal, mas também eficazes.
                Refletindo as latentes transformações de perspectiva, a estrutura patriarcal passa então a ser questionada e progressivamente desconstruída nas mais diversas áreas, em um caminho também percorrido pelo direito. A voz feminina ganha espaço através dos estudos desenvolvidos pelas teorias feministas do direito e surgem grandes teóricas como Hannah Arendt e Martha Chamallas, que não estiveram circunscritas aos estudos sobre a condição da mulher dentro da estrutura jurídica, mas que são pouco reconhecidas nas demais áreas de atuação, em virtude da pouca visibilidade feminina existente. Com o decorrer das décadas, alcançamos uma evolução nos debates acerca do espaço da mulher e passamos a constituir a maioria da população brasileira, representamos mais de 50% do total de matrículas nos cursos de direito do país no último ano e mais de 50% dos estudantes concluintes dos cursos de direito nos últimos três anos[1]. Entretanto, mesmo constituindo maioria nos serviços privados de advocacia e com um ingresso em cargos públicos crescente, constituímos apenas 9% dos membros do parlamento e menos de 20% dos cargos de decisão do Judiciário, quando, na base desse poder, somos mais de 40%[2]. A constatação da baixa representatividade existente, permitida pela breve análise desses dados, evidencia a presença de uma igualdade de participação de gêneros apenas formal e constitui um paradoxo, presente não somente no direito, mas também na sociedade. Ainda que haja figuras inspiradoras, que dão visibilidade ao empoderamento feminino, como a desembargadora Maria Berenice Dias ou a juíza Luislinda Valois, a estrutura jurídica representa um obstáculo à conquista de espaço, impondo embates diários para a transformação dos valores patriarcais e a criação de um direito realmente igualitário, alinhado às necessidades contemporâneas.
                Assim, surge o desafio do direito contemporâneo e o provável caminho a ser seguido em seu futuro. Ao unir os avanços já alcançados na conquista do espaço e da representatividade feminina e promover uma alteração mais profunda nos valores propagados pela estrutura jurídica, diminuir-se-á a discrepância existente entre a progressiva desconstrução do papel da mulher e a efetividade desta no meio jurídico, produzindo assim uma verdadeira transformação no direito. A maneira como tal processo será conduzido ainda constitui uma incógnita, mas é certo o seu caráter determinante para a evolução do direito em uma série de aspectos, percorrendo um caminho irreversível e que acabará por selar uma nova perspectiva sobre a nossa força e importância, honrando o passado de lutas e oferecendo novas oportunidades para o futuro.
               











[1] http://blog.portalexamedeordem.com.br/blog/2013/09/censo-da-educacao-superior-2012-direito-tem-o-2o-maior-contingente-de-alunos-no-ensino-superior/
[2] http://www.oabsp.org.br/sobre-oabsp/palavra-do-presidente/2012/167

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Breves impressões após um ano no palácio

                                                                                                         Cecília Gomes
Ao entrar pela primeira vez na Faculdade de Direito do Recife tive a impressão de estar dentro de um palácio (acho que todo calouro e toda caloura se sente assim). Um prédio tão belo e recheado de história por aquelas paredes opacas, só me deslumbrava e me fazia crer que ali eu aprenderia – efetivamente- a arte de ser uma boa jurista. Hoje, mais de um ano depois da minha primeira visita ao palácio, constato que o vislumbre com o prédio histórico e a ideia de aprendizagem aprofundada no ramo jurídico não são mais compatíveis como a minha mente havia tão utopicamente projetado.
O dia a dia acadêmico demonstra que o aluno necessita traçar o seu próprio caminho e aprender a ser autodidata. Ora, mas não é assim em todo e qualquer instituição de ensino superior? Não, não é. E mesmo que fosse, por que teríamos (nós, alunos) que apenas aceitar um modelo falho, ao invés de tentar estabelecer um –mínimo- de diálogo com a Instituição (servidores, coordenação, administração, professores, direção)?
Quando ouço a expressão “Comunidade Acadêmica” me vem em mente a ideia de um lugar em que exista diálogo, respeito mútuo, produção de artigos, arte e pesquisa constante; um lugar no qual o fluxo de ideias seja constante e instigado. Ao sair do mundo abstrato das ideias e abrir os olhos para a realidade, noto que há uma discrepância palpável. Muitas vezes esse fluxo de ideias é tolhido para que se reproduza com maestria tudo aquilo que encontra-se no CPC, CPP, CT e tantos outros C’s que o aluno literalmente engole para passar no Exame da Ordem ou em algum concurso público. Me questiono até que ponto é saudável propagarmos todos anos que somos os melhores no Exame da Ordem e não atentarmos para a realidade do aluno e da instituição.
É preciso, contudo, saber a maneira adequada de tecer a crítica e fazer com que ela não torne-se apenas a “crítica pela crítica”. Acredito fortemente que chegar apontando os erros somente não é produtivo, não constrói e não faz absolutamente nada além de alertar que existe algo errado. E de que adianta mostrar isto e não se dispor a resolver, dialogar e buscar um ponto de convergência entre os interesses de todos? Não é uma tarefa fácil iniciar uma mudança num comportamento que vem sendo propagado há décadas, entretanto não é impossível. Quando existir um pouco de boa vontade e interesse de pelo menos boa parte daqueles que compõe a FDR (docentes, discentes, servidores...) será possível concretizar mudanças (uma vez que TODOS assumiriam o compromisso) e ter de fato uma EDUCAÇÃO jurídica; e não o excesso da mera reprodução do código pelo código.

O Direito só tem uma razão de ser para atender as demandas da sociedade. E se a sociedade mostra-se em constante mudança, por que deveria o Direito permanecer estático? É imprescindível que novas formas de pensar, novos caminhos para resolução de conflitos e o simples incentivo a novas pesquisas seja fomentado pela Instituição. Tenho dentro de mim a esperança que um dia a FDR volte a ser um centro difusor de educação e cultura jurídica de outrora. Mais do que isso, que a beleza do prédio histórico seja capaz de refletir e incentivar a beleza das mentes que estão ali dentro. A mudança não se dará dá noite para o dia. Muito pelo contrário, é um processo árduo e que pode levar anos. Faz-se preciso, contudo, a saída do estado inerte, o reconhecimento de que a mudança é mais do que salutar e o início de uma nova fase.