domingo, 21 de dezembro de 2014

[DES]LIÇÕES PRELIMINARES - 3

  ou tudo que você não precisa saber sobre o direito em foco
por Victorius Galvinis Fragosus







O LABORATÓRIO EM FOCO

Eu até comecei a escrever esse verbete, mas depois deixei pra lá... antes mesmo da censura em foco me impedir de continuar.
 




A CADEIRA

O maior problema da filosofia, e que incansadamente o Direito em Foco luta para resolver é a natureza da cadeira. Quando se observa uma cadeira, se está a observar um objeto real ou uma projeção do ser? Se há de fato uma cadeira, de que é composta? Quantos átomos? Prótons? Quarks? Ou seria ela apenas linguagem? Ou apenas o relato vencedor? Mais além, há um ser a observar? E se houver, será que ele realmente pode observar o objeto em sua totalidade? Os sentidos enganam o homem? Se não compreendemos uma cadeira, podemos conhecer a nós mesmos? E se a cadeira formos nós mesmos? Qual o sentido da vida, então? Se temos a capacidade de sentar, é porque somos projetados para que haja uma cadeira, então quem veio primeiro, o homem ou a cadeira? Essas e outras questões circulam inexplicadamente a cadeira enquanto objeto de estudo científico e filosófico. Inclusive, recentemente criou-se a cadeirologia, um metaconhecimento que abarca todas as ciências e a filosofia, da mesma forma que a cadeira abarca todos os mais importantes questionamentos da humanidade.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

[DES]LIÇÕES PRELIMINARES - 2

ou tudo que você não precisa saber sobre o direito em foco
por Victorius Galvinis Fragosus


O ALVO-TETA


O símbolo do Direito em Foco é um alvo/teta com três círculos concêntricos, o central em vermelho, a área entre o central e o do meio branca, e a área restante no maior mais externo vermelha. Muitas teorias surgiram para explicar o significado por trás desse símbolo, algumas ficaram mais conhecidas:


A teoria do alvo: Essa teoria explica que o símbolo do direito em foco é um alvo por conta do nome “Foco”, que é pictoriamente representado por um alvo. Essa teoria foi bastante criticada por uma questão simples, os membros do DF acreditam na textura aberta da linguagem de forma que a palavra “foco” pode significar desde nada até o masculino de foca. De fato, a última coisa que existe nas reuniões filosóficas do DF é foco no que quer que seja.


A teoria da teta: Como uma reação à teoria do alvo, surgiu a teoria da teta, que sucintamente acredita ser o símbolo do direito em foco a representação imagética de um seio comunista; adeptos dessa corrente explicam que a formação inicial do direito em foco era majoritariamente masculina, e todos conhecem aquele velho ditado “sorte na filosofia, azar no amor”, então a teta representaria aquilo que muitos membros queriam mas não podiam ter. Essa teoria foi bastante aclamada após declarações esquerdistas de certos membros do grupo, que com exceção de alguns membros mais esclarecidos discordantes é majoritariamente composto por autointitulados esquerdistas, o que supostamente explicaria a cor vermelha da teta. Essa teoria perdeu força depois que Raphael Tiburtino, detentor do conceito de esquerda, disse que ninguém no DF era esquerdista e selou a questão de uma vez.


A teoria eclética: Teorias ecléticas surgem espontaneamente quando existem duas grandes correntes se digladiando. Para tudo há uma teoria eclética, dizem, e ela nunca explica nada. A teoria eclética em questão defende que o símbolo do DF é ao mesmo tempo uma teta e um alvo. Essa teoria recebeu as mesmas críticas que as duas anteriores.


A teoria pragmática: hoje, a teoria mais aceita é a pragmática, que explica que esse é o símbolo do DF porque era mais fácil de desenhar.

A série de deslições preliminares vai tentar explicar o que é o Direito em Foco, seus fetiches, taras e membros através de alguns verbetes idiotasbem-humorados. 

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

[DES]LIÇÕES PRELIMINARES - 1

ou tudo que você não precisa saber sobre o direito em foco
por Victorius Galvinis Fragosus




O DIREITO EM FOCO

O Direito em Foco é um grupo formado por ex monitores de IED estudantes interessados em Filosofia do Direito e insatisfeitos com o fim da monitoria déficit do ensino das chamadas “Zetéticas” na Casa de Tobias. Tais alunos passaram a se reunir periodicamente para praticar o onanismo intelectual coletivo, o que eles simplesmente chamam de “discutir Teoria Geral e Filosofia do Direito”. Não satisfeitos com a já grande quantidade de tempo desperdiçado, o grupo criou uma segunda linha de atuação, doravante chamada “eixo 2”, que se dedica a reclamar dos professores discutir o ensino jurídico a nível local e nacional; os encontros sobre Filosofia se mantiveram, mas sob a denominação de “eixo 1”.

Com o tempo o direito formou uma espécie de irmandade, um grupo de pretensos iluminados, que escondem sob o manto de “grupo de estudo” um desejo megalomaníaco de dominação mundial. Por vezes praticam em seus encontros rituais de invocação a entidades espirituais como o Praçódia.

Apesar do nome “Direito em Foco”, não estudam direito, só aqueles assuntos que não caem em concurso.


A série de deslições preliminares vai tentar explicar o que é o Direito em Foco, seus fetiches, taras e membros através de alguns verbetes idiotas bem-humorados. 

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

O ALUNO [REAL] NOS CURSOS DE DIREITO


Por André Lucas Fernandes, um inconformado aluno de direito.




PARA SITUAR A CONVERSA


Com base nos textos recentes publicado por Lênio Streck em sua coluna “Senso Incomum”, tive a ideia de falar, de forma bastante descompromissada, sobre o tipo ideal (o)posto ao que ele tentou desenhar. 


O certo seria começar pelo personagem do professor real – aqui não um protótipo, pois o que está nas universidades é o resultado de um lento processo de maturação voltada ao apodrecimento cerebral. Pelo professor, sim, pois apesar do pacto da mediocridade exigir duas partes para uma avença “clássica”, a balança pesa muito mais para o lado daquele que ensina. 


Entendo que a culpa do professor diminui com o passar do tempo e amadurecimento do aluno – seja culturalmente, seja temporalmente. Todo aluno de direito passa por um momento epifânico em que decide se investirá no modelo podre que lhe é oferecido ou se vai resistir a ele, das formas mais variadas. Razões e razões, mas não começarei pelos docentes e sim pelos discentes, com os quais convivo e divido virtudes e vícios. 


Importa alertar aos apressados: existem alunos que resistem ao que aí está, de forma criativa ou violenta. Contudo, nenhum aluno está imune ao uso de práticas que serão descritas logo abaixo de forma prolixamente resumida. Na verdade, para certas cadeiras é necessário utilizar de certos estratagemas – que Eduardo Siebra, um ex-aluno da Faculdade de Direito do Recife, chamou por Realedukation


Eu quero me dedicar, de fato, ao aluno que usa dessas estratégias como primeira e única forma de ser na Faculdade. O que ele leva e deixa na faculdade é o muito de alguma coisa: o imprestável. Siebra diria que são os “jatos quentes e espumantes de fezes que saem das bocas dos professores” e são reproduzidos por alunos... Ou algo do tipo. Eis os hábitos desse espécime especial dentro do espécime geral “estudante universitário”. 


O ALUNO [REAL] DE DIREITO


Começando pelo começo. O aluno de direito entende que, ao vencer no concurso do vestibular, ganha passe livre e direito eterno sobre uma vaga gratuita num curso de graduação de uma Instituição de Ensino Superior (IES).
 

Isso quer dizer muita coisa. Desdobremos: apesar de vencer uma concorrência e deixar um mar de gente do lado de fora da universidade, o aluno não tem qualquer compromisso social com a desigualdade que se instala a partir daí. Claro, como todo assunto social, a questão se desdobra. 


Se a vaga é dele, então o uso e o gozo dela são seus durante todo o tempo que entender necessário para satisfazer suas pretensões. Será de cinco anos contados – e só será cinco se a Faculdade não descumprir a disposição do Ministério da Educação permitindo que o aluno se forme em ligeiros quatro anos e um semestre. Claro! Direito é realmente um assunto bem fácil. Do outro lado, o curso deve durar mais tempo se o aluno entender que deve defender todas as causas urgentes que a sociedade reclama. Questões que são realmente importantes, na maioria dos casos, mas que fazem esse aluno esquecer que passar 6, 7, 8 anos dentro de uma IES é onerar os cofres públicos por motivos que não são, exatamente, a melhor formação acadêmica possível. Afinal, é bom pontuar, a atuação política não se restringe a estar na Universidade, pelo contrário. Por vezes ela até se torna mais qualificada quando se apresenta o canudo do diploma, seja por questões de forma, seja por questões de fundo.


O aluno real de direito reclama desde o primeiro trabalho que recebe a incumbência de executar. Não tem o menor sentimento de resignação, nem de gana após conquistar uma cobiçada vaga na Universidade. Tudo é muito “trabalhoso”, tudo é muito “problemático”. 

Para o aluno real, o professor performático exigir uma leitura em espanhol é uma afronta. Um absurdo! O aluno não questiona ao professor possibilidades de leitura em português, ou, quando de uma resposta negativa e uma ironia, o aluno não busca uma aliança estudantil para sanar as dificuldades de todos. Não. Afinal, desde antes da Universidade, até depois dela, é preciso, regra geral, preservar a disputa concurseira, ainda que todos nós possamos tomar uma cerveja gelada no bar mais próximo e nos abraçarmos falando doces cantilenas e bobagens saudáveis.


O aluno real de direito não entende o motivo de ter que assistir às aulas de Introdução ao Estudo do Direito. Suspeita gravemente de todas essas cadeiras que chamam “zetéticas”, por causa do maldito Tércio Sampaio Ferraz Jr. – mas o autor merece respeito, por que é titular da USP e um parecerista disputado aos tapas e milhares de reais – a última informação é muito cara ao estudante de direito.


História do Direito, Psicologia Jurídica, Antropologia Jurídica e afins são cadeiras que estão ali para atrapalhar e impedir o labor jurídico efetivo, ou seja, ler a lei e os códigos num calhamaço ignorante e burro (a.k.a Vade Mecum) – que seria de melhor serventia como suporte para uma mesa descompensada ou como escudo contra balas, facas e afins... Suspeito que nada passa por um Vade Mecum.


O aluno real de direito tem um critério assaz peculiar de avaliação qualitativa das aulas. Para esse aluno, o professor que senta a bunda na cadeira e inicia uma sessão de tortur- digo, aula, lendo e relendo os dispositivos escritos naquelas folhas finas, vez ou outra fazendo alguma observação – que não vai além da paráfrase do artigo do código tal ou qual – dá uma aula BOA


Normalmente esse professor não tem, sequer, uma oratória de mínima qualidade, que dê aquele toque de mágica a uma aula expositiva verdadeiramente inútil. Mas sobre o professor falarei outra hora.


O aluno de direito ouve no primeiro período que nossa “ciência” – melhor seria chamar de arte e má arte, ou arte linha de produção – é muito complicada e depende muito de diferentes interpretações, por isso é necessário perquirir sempre mais de um autor sobre o mesmo tema, especialmente aqueles que têm opiniões opostas. 


Talvez o efeito “pedagógico” do conselho dure alguns meses, mas logo é apagado. É uma gradação que beira a seleção natural: primeiro o estudante, que fez enorme esforço nesse processo, abandona o segundo manual que usava como comparativo de estudo. Após, abandona o primeiro manual de estudo, para se dedicar à leitura de alguma sinopse ou resumo dos colegas. E, por fim, sem muita demora, recorre ao expediente da fila, sem pudor, nem dó. 


Importante lembrar, para quem tem a paciência de ler até aqui, não se trata de uma atitude de resistência a aulas patéticas (a realedukation mencionada antes), mas de prática constitutiva do ser na Universidade. O autodidatismo de Eduardo Siebra tem como objetivo selecionar o tempo para aprofundar em leituras sobre sociologia, antropologia, literatura, economia, ou, até mesmo, boas leituras de Direito (que não faltam!). Mas a prática do estudante descrito neste texto termina nela mesma, não tem motivo além. Minto! Se selecionar o tempo é com o objetivo de estudar para concursos ou não fazer absolutamente nada.


Outro detalhe sobre a relação do aluno de direito com as aulas, mesmo com as boas aulas, durante o curso: elas não são mais importantes que o celular, o Whatsapp, as enormes encadernações com questões de concurso, a conversa sobre qualquer outro assunto – dentro e fora da sala. 


Isso quando o aluno vai até a aula. Afinal, o aluno REAL de direito falta o máximo de aulas que puder. Qualquer motivo é motivo, qualquer desculpa é desculpa: a aula não serve para nada – na maioria dos casos isso não é uma mentira, preciso concordar.


O aluno nos cursos jurídicos lida de forma muito interessante com os livros-texto conhecidos por “manuais”. São livros de uma doutrina capenga e de má qualidade, cuja abordagem não excede ao comentário parafrásico do que está escrito na lei. Não demora muito tempo o aluno também realiza uma espécie de seleção natural dentro do estudo de manuais. Exemplifico: Quanto ao Direito Constitucional, se nunca folheou um Canotilho, no máximo lê um José Afonso da Silva – com muita sorte e luz e energia cósmica positiva! – e logo descamba para um Simplificado ou Esquematizado qualquer. Sabe como é, existe um motivo racional: é o livro indicado para concursos. Tem questões da OAB, CESPE e o escambau.


O que falar das filas, de modo a pontuá-las com destaque? Afinal, o recurso da fila é o que verdadeiramente forma o aluno de Direito. A fila é construída num processo de experienciação complexo e sofisticado. Os métodos são variados: tem a fila que é a marcação dos artigos no Vade Mecum, ou aquela que vai escondida entre as páginas do calhamaço inútil. Quando a prova não permite consulta, o recurso é a impressão de resumos em pequenas folhas, fonte tamanho 5 ou menor, cabe na palma da mão, na capa do celular. Tem aqueles que filam com o livro embaixo da banca. Outros preferem usar o celular e as maravilhas tecnológicas da conexão 3/4G. Quando mais de uma turma faz a mesma prova, elas são compartilhadas pelo celular. Um exercício de cândida solidariedade. Uma reflexão coletiva que lembra, vejam que engraçado: o estudo! 


Sim! Por que não adianta estudar antes, é preciso selecionar o tempo escasso e estudar durante a prova, coletivamente. Ao fim e ao cabo a fila é exatamente isso. O problema é que suas preocupações são estritamente práticas e voltadas a uma resposta satisfatória a uma questão mínima diante de um universo imenso que cada cadeira representa. Mas não vou desenvolver esse ponto, fica o “elogio”.


O aluno de direito, ainda que seja uma boa aula, prefere passar o tempo fora de sala, pelos corredores dos prédios. Amplia algo que será bem mais importante: a sua rede de contatos. Os assuntos são variados: futebol, política, movimento estudantil, festas, campeonatos, moças, rapazes, fofocas – assunto top 5 na balada jurídica das IES –, o estágio... ah, o estágio!


O estágio é um objeto de desejo, é o primeiro passo daquilo que realmente importa. É uma emulação do mercado de trabalho jurídico. O estágio permitirá, antes de tudo, usar roupa social por um motivo “sério”. Habemus camisa social, calça social, cinto e sapatos lustrados. Um luxo! 


O aluno REAL de direito entende que tudo que está posto na sala de aula não serve de nada – novamente, tendo a concordar, mas uma coisa não justifica a outra, não é? O aprendizado acontece no mercado, trabalhando. O quanto antes melhor! O tempo é curto e a maravilha da medicina, que posterga a vida e atrasa o relógio da morte, deve ser usada para fruir um status de elite, uma conta bancária minimamente gorda; ostentadora de, no mínimo, quatro dígitos para cima. Calma lá, nobre colega! Estamos no mundo do estágio e só alguns poucos rompem a barreira dos hum mil reais


Você não sabia, leitor? Os estágios na área de direito superam facilmente a barreira da bolsa-pobre dos PIBICs, PIBITs e PETs ou qualquer sigla que faça alusão a um programa acadêmico. Quatrocentos reais é valor de bolsa para um aluno de direito no começo do curso. A classe se valoriza.


Não importa, é fato aferível, que o aluno esteja ainda no primeiro período. Se ele tem família que trabalha no meio, é batata! Por que perder tempo? Afinal, o que importa esse blábláblá sobre positivismo jurídico? E essa coisa de direito natural? Essa ideia, absurda!, de retórica e decisionismo? Hermenêutica? Existência, validade, eficácia? Do que adianta isso? Eu descubro na prática, “manuseando os processos”, o que é um prazo prescricional. O que é o fenômeno da decadência. Eu não estou nem pensando em entrar no mérito “da vida das pessoas”, pois o aluno de direito lida com NORMAS e não com VIDAS.


Não importa – eu, insisto – saber sobre a origem dos institutos. Não importa saber o que e como Roma aplicava aquele mesmo instrumento que usamos hoje, dois mil anos depois. Não importa saber o que mudou e por que mudou. Saber que a decisão do Juiz tem uma consequência política? O juiz faz um trabalho técnico, aplica a justiça, não é isso? É isso. O aluno médio acredita. E se não acredita, diz que acredita por que dá menos trabalho


Esse aluno sabe que, da mesma forma que a entrada na Universidade foi mérito exclusivo seu – no máximo de papai e mamãe que trabalham MUITO para pagar sua formação! –, uma aprovação em concurso também é mérito seu. A investidura é sua. O poder é seu. Não tem nada a ver ter as pretensões de resolução de problemas populares. Na verdade o populacho quando não é burro, fedido ou simplesmente invisível, se transforma em verdadeira ameaça comunista! Sim... São tantos anos e ainda estamos ameaçados pelos comunistas comedores de criança e usurpadores da Democracia que Democracia, cara pálida?!


Esse aluno ignora o povo, pois acha que o povo não tem nada a ver com a sua educação numa universidade pública – o povo é tão pobre que não paga nem imposto! E ainda recebe bolsa família!. Estranho é que a realidade é outra: quando um marginalizado qualquer paga um saco de pão, um saco de feijão pra saciar a boca de não sei quantos, quando paga por uma pinga no bar, ele paga imposto, está lá. Como todo e qualquer um na sociedade, ele também sustenta a universidade pública. A diferença é que alguns não são agraciados com o manto da invisibilidade. 


Tal questão está umbilicalmente envolvida com a percepção, por esse estudante que descrevo, da desnecessidade da extensão e da pesquisa. O aluno de direito acha que aquela disposição da constituição “obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” é balela e desnecessária. Passar pela Academia é passar pelo ensino podre e correr para o mercado de trabalho. A extensão é terra de cooptação política e vagabundos e a pesquisa é o reino dos pedantes. Não produzem nada de valor. O valor das coisas é uma régua muito importante para esse sujeito que tento descrever aqui.


O aluno real de direito é assim. São muitos detalhes, muitos hábitos que demandam atenção e estudo sociopsicológico, levantamentos exaustivos e muito divertidos. Mas eu me comprometi a escrever um texto de baixa qualidade e isso me basta. 


As páginas se alongaram, numa leitura monótona e, em nada inovadora, tal qual a vida do aluno REAL de direito. Esse aluno nasceu para conquistar... Estudo e resolução de problemas sociais é coisa de sociólogo.








PS: A parte do estudo para os sociólogos é falsa, afinal todo mundo sabe que, no caso da UFPE, o pessoal do CFCH é tudo vagabundo e maconheiro. Isso não deve variar muito da média brasileira.

PS²: Você se sentiu ofendido pelo relato acima? Por favor, não fique com raiva de mim, pois eu vou, no máximo, ignorar você. Você achou ruim o relato acima? Aguarde a segunda parte que vai falar sobre o Professor REAL no mundo do direito... Cenas [pavorosas] do próximo capítulo!

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

A autossuficiência jurídica



Por Ednaldo Silva

Ainda no início do curso, eu e uns amigos combinamos que nos policiaríamos para não nos tornarmos algo como um "jurista por excelência": aquele que durante o dia lê processos e mais processos, e, no happy hour, entre os goles de cerveja, tem como principal diversão glosar sobre suas narrativas preferidas: processos. Doce ilusão. Me lembrei disso há um tempo atrás, quando eu e esses mesmos amigos saímos e alguns comentavam sobre suas experiências com "processos absurdos", onde se destacavam ora o uso indevido do caps lock, ora histórias e expressões um tanto esdrúxulas. Não foi nada que me incomodasse, sequer durou tanto tempo, é verdade. Mas, além do tal combinado, me lembrou do quanto, às vezes, me parece que ver o mundo para além do Direito é uma atividade extremamente difícil pros juristas.

Afinal de contas, os juristas são autossuficientes. Cheguei a essa conclusão depois que, assombrado, vi alguns deles reduzindo a proposta de uma assembleia constituinte exclusiva às lentes jurídicas: "isso é um absurdo jurídico, não pode ocorrer, afinal como pode um poder constituinte limitado?!". Muitos sequer discutiam se tal formato era útil ou cabível, politicamente falando, de forma que levei um susto ao ver sujeitos querendo submeter um fenômeno político, em toda sua complexidade,  aos conceitos jurídicos e todas as suas limitações, no mínimo, epistemológicas.

Se talvez tivessem exercitado um pouco mais a interdisciplinaridade, percebessem como poderiam ser identificados como maus escritores: o bom escritor sabe que, embora certas metáforas nunca percam a beleza por mais antigas que sejam — como o "amor é fogo que arde sem se ver", ou, no caso do nosso direito, a tal "clareza da lei" —, outras metáforas — como o "asa da xícara", ou, sendo um jurista, a tal constituinte que, de tão ilimitada, sequer pode se limitar —, com o passar do tempo não atendem mais à "ânsia criativa" dos leitores e precisam ser deixadas de lado pelo sujeito que escreve, que deverá buscar outras alternativas.

Mas o aluno de Direito, hoje, não compreende a interdisciplinaridade, embora muitas vezes se esforce. Debatemos a legalidade das cotas raciais em prol da interdisciplinaridade; debatemos a constitucionalidade do casamento homoafetivo em prol da interdisplinaridade; debatemos a legislação tributária e seus entraves ao empreendedorismo em prol da interdisciplinaridade. Mas, na verdade, em nenhum desses momentos fomos interdisciplinares. Em nenhum desses momentos conhecemos outro vocabulário, outros conceitos, ou outras visões de mundo. Na maioria das vezes sequer conhecemos outra pessoas que não um jurista, visto que, normalmente, são eles que, vestidos com suas elegantes roupas formais, ocupam as mesas dos eventos que, preocupados, trazem a interdisciplinaridade até nossas faculdades.

Submeter aos conceitos jurídicos um tema que não é de "natureza jurídica" não é ser interdisciplinar. E isso é um agravante na medida em que nós precisamos ser interdisciplinares. Embora o conhecimento jurídico não seja capaz de expressar todo o mundo, nós, juristas, resolvemos regrar todo o mundo. E, dada tal responsabilidade, precisamos conhecer bem mais do que "apenas" direito, mas também história, literatura, política, economia... Porém, não conhecemos e, aparentemente, demoraremos a partir em busca destes conhecimentos.

Em meio a tudo isso, me vem a cabeça uma anedota que Tom Jobim contava: ele dizia que assim que a fama começou a surgir, às vezes não era suficiente se apresentar como Tom Jobim, então ele complementava, "Tom do Vinicius"; e isso sem vergonha alguma por se "escorar" no amigo mais conhecido. Esperto, Tom sabia que ninguém pode ser alguém sozinho. 

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

#Eixo 1 - Módulo 'Filosofia da Linguagem e Direito': 24/09/2014


Retornaremos com as atividades do #Eixo 1 com um novo módulo de seis encontros cujo tema será: Filosofia da Linguagem e Direito.

Detalhes sobre o módulo AQUI.

Este documento será atualizado à medida que houver os encontros, a fim de pormos à disposição os materiais dos próximos encontros.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Mais do que técnica


Por Ednaldo Silva¹

Fui e voltei. Representando o Direito em Foco, fui ao VIII congresso sobre ensino jurídico da ABEDI em Brasília e ouvi as mais diversas ideias para reformulação da educação jurídica, além dos vários relatos de experiências inovadoras que deram certo, como a FGV. Então, voltei a Recife, voltei à FDR. E (re)senti os mais diversos problemas da tal crise do ensino jurídico.

Porém, mais uma pergunta surgiu entre as várias outras que insistem em lotear meu pensamento: como querer mudar o ensino jurídico alterando apenas as formas, os modelos, sem alterar tbm a mentalidade dos juristas? Como buscar um ensino dialógico e reflexivo, voltado à prática jurídica,  em um espaço onde estudantes e professores pactuam em prol do menor esforço: "estudemos, quer dizer, memorizemos; tenhamos altos índices de aprovação no exame da ordem; e, por fim, usemos isso como um atestado de qualidade a ser exposto aos 4 ventos"? Como falar em protagonismo do estudante e educação jurídica local-global, a qual estaria atenta aos problemas da sua região, mas sem esquecer do grande desafio do século XXI, consolidar e tornar efetivas as democracias de todo o globo, em uma faculdade onde eventos estudantis são suspensos pela diretoria por  tratarem de temas políticos, os quais não seriam assuntos acadêmicos?

Talvez, por nossa crença neste modelo cartesiano de pensamento, onde padrões, fórmulas lógicas e leis da natureza são capazes de nos dar verdades e, assim, guiar-nos em prol do desejado progresso, tenhamos relegado a um segundo plano a importância dos sujeitos. Mas pensar uma reforma da educação jurídica observando apenas as técnicas, esquecendo daqueles que irão operacionalizá-las, é inútil. O problema da educação jurídica é, também, cultural. É ingênuo pensar que se muda uma cultura utilizando apenas de técnicas e esquecendo das pessoas. Tão ingênuo quanto querer culpar o normativismo kelseniano por um ensino jurídico q esquece das consequências políticas do direito em prol de meros debates "técnicos" inférteis, vale ressaltar. Kelsen, ao pensar uma forma extremamente pragmática de observar a prática jurídica, em momento algum descartou a importância da política no funcionamento do direito, por exemplo. Se é necessário encontrar culpados e apontar dedos, que se culpe aqueles sujeitos que manusearam e manuseiam a teoria kelseniana descartando os tais "saberes auxiliares", e não a técnica, pois esta não é dotada de vontade.

Enfim, só quero lembrar que não cabe querer colocar como protagonista de uma possível reforma da educação jurídica a metodologia usada em sala de aula, ou os critérios de avaliação, por exemplo. Na sociedade só há um protagonista: o sujeito. Enquanto o jurista continuar a ser o tipo de sujeito que, em sua crença, venera os conceitos jurídicos operacionais, como quem está diante de um panteão de Deuses, e que esquece as pessoas ao seu redor, será difícil concretizar grandes mudanças, mesmo com reformas metodológicas, pedagógicas e afins. E é por isso que, se me fosse permitido pedir algo a qualquer estudante de Direito, seria: por favor, leia "os miseráveis" e observe o quanto o direito foi capaz de criar um Jean Valjean perverso e cruel, totalmente diferente do Jean Valjean que, com seus carinhos, dedica-se a Cosette; depois olhe nos olhos de Javert, fiel servo da lei, e veja sua angústia ao descobrir que o criminoso que ele tanto perseguia nunca existiu, ao descobrir que a lei havia "mentido". Talvez também pedisse que escutasse o álbum "matita perê", de Tom Jobim, e/ou o "Da lama ao caos", de Nação Zumbi. Mas sem "motivos jurídicos", apenas pq são geniais; afinal de contas, só de direito não dá pra viver, não enche o "bucho".

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¹ É aluno da graduação da Faculdade de Direito do Recife - Universidade Federal de Pernambuco. Membro do grupo Direito em Foco. 

domingo, 11 de maio de 2014

NOTA DE REPÚDIO AO CANCELAMENTO DO SEMINÁRIO DE GÊNERO E SEXUALIDADE PELA DIRETORIA DO CCJ


Na nossa — sim, nossa — instituição foram várias as figuras que já clamaram por liberdade. De Castro Alves, passando por Demócrito, e chegando ao nosso colega Rob, que recentemente, em uma apresentação artística, reclamou em alto e bom som o direito de ser quem é também dentro da sua — é, sua — universidade; tivemos vários. No entanto, hoje, parte de nossas e nossos docentes demonstram não ter ouvido tantos clamarem por liberdade, e clamam por censura.

Censura esta que tenta se disfarçar de critério técnico: pertinência temática. Mas tal disfarce se mostra inútil. Querer cancelar um seminário sobre gênero e sexualidade alegando que este não trata de temas relevantes para a universidade vai, inclusive, na contramão dos vários debates "técnicos" no âmbito da educação universitária e jurídica. Além da pertinência temática clara da discussão sobre "direito à união homoafetiva", por exemplo, o debate sobre as condições políticas e sociais das mulheres, gays, lésbicas e outros grupos minoritários interessa sim aos juristas, na medida em que será sobre a vida dessas pessoas que nossos futuros bacharéis manusearão suas ferramentas jurídicas, tais quais a norma e outras categorias. Doutos senhores e senhoras, a pertinência temática na educação jurídica vai muito além da mera análise "dogmatista", a qual, esquecendo-se de todos os outros saberes auxiliares, ensina o direito de maneira extremamente pobre e ineficiente, sem sequer preparar os indivíduos para lidar com as categorias jurídicas na prática profissional. A Faculdade de Direito do Recife é sim um ambiente onde se deve discutir política, literatura, economia e outros temas diversos. Mestras e Mestres, temos um alto índice de aprovação na OAB, mas isso não significa que nossa educação seja de qualidade. Definitivamente, não significa que preparemos bons juristas.

A atitude de tais alunas e alunos, inclusive, deveria ser louvada. É a tentativa de suprir uma verdadeira lacuna na graduação de nossa casa, a qual fecha os olhos para o que acontece para além dos seus muros e não oferece em momento algum da graduação o debate de tal tema. É inaceitável dizer que tais eventos atrapalham as aulas. Mais uma vez o debate "técnico" no âmbito da educação universitária está em favor dos estudantes. Embora não seja uma das súmulas vinculantes que tanto vos agrada, é pacífico na "doutrina educacional" que a construção do conhecimento não está restrita às salas de aula. Estas são apenas mais um ambiente. Há estudos que demonstram o quanto entre seus iguais e em um espaço dialógico e reflexivo — características estas pouco presentes nas salas de aula hoje — as/os estudantes constroem conhecimento de forma mais efetiva. É frequente em debates pedagógicos o incentivo ao protagonismo da/do estudante na construção de sua formação acadêmica.

No entanto, tal posição de censura vai muito além dos debates técnicos. A recente declaração da nossa diretoria para o Jornal do Commercio, "aconteceu um show de transformismo e beijaço (homem com homem, mulher com mulher). A faculdade não é espaço pra isso", deixa claro que a suspensão do evento é sim política. O uso de um discurso técnico tenta obscurecer tal viés, mas a escolha foi sim política. E tal escolha política, vale destacar, não reflete diretamente o pensamento da diretora Fabiola Albuquerque, mas é um discurso que encontra muitas bocas para ecoá-lo, tanto entre professores e professoras quanto entre alunos e alunas. Algo que, inclusive, ocorre por uma razão maior até que os próprios protagonistas da intolerância aqui discutida: a cultura jurídica atual — num panorama externo e interno à FDR — traça um caminho rumo ao manualismo concursista advocatício jurisprudencial legalista. Não sejamos filhos dessa cultura, tanto alunos/alunas quanto professores/professoras. O direito é mais — ensino, pesquisa, extensão —. O direito pode mais. Só cabe, então, lamentar e demonstrar que, por mais que se tente limitar o espaço de uma instituição que é nossa, ele é um espaço livre.

Apesar de tantas demonstrações de agressividade diante de demonstrações de afeto entre homossexuais — talvez por não entender a importância do amor —, vos pedimos que amem mais, porque o amor é para todos.

PS: O Direito em Foco está disponível para auxiliar a diretoria, caso ache necessário, na construção das categorias do fazer científico-acadêmico e as questões de pertinência temática no Direito. Assunto que nos é muito caro e aparentemente não é tratado de forma muito coerente na visão da atual gestão.

domingo, 4 de maio de 2014

Projeto Direito Geração 10


O Direito em Foco gostaria de convidar os interessados para o projeto “Direito Geração 10” que entrará na sua 3ª edição (D.G.10.3).

O Direito Geração 10 tem por objetivo condensar em livro textos referentes às reflexões atuais dos alunos da geração dos anos 2010 da Faculdade de Direito do Recife. O projeto ganhou o mesmo tipo de nome de uma coletânea literária: seu objetivo não é ser uma coletânea de meros textos dogmáticos repetitivos (típicos de revistas do gênero), mas apresentar (para além de) textos acadêmicos e outras ideias (filosóficas, sociológicas, artísticas) produzidas pelos alunos. A ideia é a independência de pensamento dos alunos, de modo que assumam desde cedo suas produções, a condensação de uma mentalidade da nossa época que ficará registrada para o futuro.

Já estão em processo de editoração o vol. 1, com título "Direito Geração 10" e o vol. 2, com título "Direito Geração 10.2". O projeto até agora contou com a parceria de um edital próprio da Editora Universitária da UFPE e do Prof. Torquato Castro Jr, como avaliador geral da obra, chancelando suas intenções oficiais. O DG10 é um projeto em ampliação: começa internamente ao Direito em Foco e passa a agregar textos de outros estudantes não pertencentes ao grupo - assim foi feito nos volumes iniciais.

Para participar do DG10 é necessário que o aluno produza seu artigo, ensaio, estudo de caso etc. 

- A produção é independente, faz parte do DG10 a pressuposição da maturidade do aluno na publicação, arcando o mesmo com os ônus acadêmicos e críticos que, porventura, sua obra venha a gerar. O ideal é que o aluno tenha a chancela de um orientador na Faculdade.

- Não existe total segurança na editoração, por ser uma concorrência por edital. Contudo, já concorremos duas vezes no referido edital sendo aprovados, inclusive nossa subscrição se deu com a explicitação da futura ampliação e consolidação do projeto DG10.

- O prazo FINAL para entrega do texto, via e-mail do Direito em Foco (direitofoco@gmail.com), é 01/06/2014

- A edUFPE não paga a diagramação, o custo é dos autores (o custo é rachado após a aprovação na primeira fase, varia com a quantidade de autores). Logicamente, ajudar a custear a diagramação é obrigação de quem fizer parte. 

- A seleção dos membros participantes será feita até o limite de 200 páginas do livro/edital e por ordem de envio do trabalho FINAL para o e-mail. Assim, somadas as páginas dos membros do Direito em Foco, que tem preferência na participação, serão aprovados os textos pela ordem supra mencionada.

- O artigo deverá conter no máximo 18 páginas.

- O texto deverá ser em Times New Roman, tamanho 12, espaçamento simples entre linhas, zero antes e depois, parágrafo primeira linha (1,25).

- O texto deverá ser dividido em pontos e deverá, após o titulo em modo justificado conter um mini sumário, deslocado 3 cm à esquerda.

- O mini sumário e citações diretas com mais de 3 linhas devem ser em tamanho 11.

- Reforçando: é possível artigos acadêmicos, históricos, literários, ensaios. 

- Todos assinam como autores, e por isso devem ficar responsáveis por atender aos chamados da organização. O não cumprimento dos prazos, pela exiguidade do tempo do edital, leva à exclusão da referida tentativa de editoração.

- Qualquer dúvida ou caso omisso caberá ao grupo gestor do Direito em Foco a solução
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quarta-feira, 30 de abril de 2014

Um retalho da biografia do lugar: o espírito do passado e o espírito do presente da Faculdade de Direito do Recife



Por André Lucas Fernandes¹

"As novas gerações passaram a ter uma maneira de viver inteiramente diferente da que tinham as gerações que as haviam precedido. O estudante dos nossos dias é empregado do comércio; é repórter; é funcionário público. Não traja a sobrecasaca; veste um fato de linho. Ele possui o que se chama hoje, e o é realmente, uma qualidade toda moderna - o senso prático. Perdeu a alegria, a graça, a espontaneidade, a originalidade.

A mocidade contemporânea se diverte com gravidade "et elle fait des folies rasionables", dizia não ha muito tempo um escritor; e ele aludia assim à igual transformação observada na França, e em outros países da Europa, com relação a vida do estudante. Foram-se na verdade aqueles bons tempos de dissipações joviais; ela é agora refletida, sóbria, sisuda. Uma concepção mais realista, mais prática, da vida lhe veio refrear a indisciplina, a boemia, a exuberância e isso mostra já a diferença que ha entre as gerações novas e as suas antecessoras.

Hoje, os nossos estudantes já se não apaixonam pelos movimentos literários ou filosóficos - por essas justas intelectuais que eram outrora seu maior entretenimento. O jogo puro das ideias não lhes suscita mais nenhuma emoção ou entusiasmo. As tendências são outras e outros também os horizontes: um cargo a ocupar, uma função a exercer. [...]

Mudaram também com o tempo e as leis, os mestres, as aulas, as cadeiras... Tudo mudou. Ora o espírito não podia ficar o mesmo."

.Odilon Nestor, 1930.

O momento narrado no texto não é, ainda, a morte do “espirito que foi modificado”, construído do período Olinda até o ápice do movimento filosófico-literário-interdisciplinar chamado “Escola do Recife”. O que Odilon Nestor, um dos maiores da Faculdade de Direito do Recife, aborda é o "meio" de um processo que começou nos anos 1900 com as reformas no ensino nacional, na época sequer organizado em torno de universidades. Meio, pois ainda em 1930 resiste a geração de Nilo Pereira, outra figura marcante da Faculdade, com as festas culturais organizadas pelo antigo, e na época recém-fundado, Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito (DAFD).

Era o tempo em que tais festas incomodavam a direção da Academia e o barulho do Diretório, tão diferente de hoje, fora capaz de fazer cair o Diretor Virgínio Marques. Época em que Nilo Pereira, presidente do DAFD, diplomaticamente, protegia o órgão estudantil, enquanto Methódio Maranhão, também membro do diretório, tocava fogo na Faculdade com seus “Manifestos”, reclamando a falta de diálogo por parte da direção Virgínio Marques na Casa de Tobias.

Talvez já aí, na “Geração da Angústia”, geração do pós e pré-guerras mundiais, das décadas de 30 e 40, a materialidade do apelido e o reinado fulgurante do patrono Tobias Barreto tenham começado sua decadência até tornar em mera expressão vazia e sem nenhum fundo de conhecimento histórico.

É o próprio Nilo Pereira que comenta, já nos anos 1970, biografando a Faculdade de Direito:

"Hoje, decorridos tantos anos, podemos observar que o conflito entre Tecnologia e Humanismo se tornou evidente e até pungente. Desse assunto se ocupou com grande erudição, no Conselho Federal de Cultura, o prof. Djacir Menezes, mostrando, que o perigo cresceu com a sufocação do humano na ciência e na técnica, em proveito de um saber que, desgraçadamente se vai tornando desumano e até anti-humano [...]"

Os dados históricos são cabais no que afirmam. 1930 até 1970. E qual o espírito da Faculdade de Direito, mais uma vez modificado, na primeira década do século XXI? Em que se sustenta a nossa educação jurídica, o comportamento dos estudantes e professores?

Não é mais nas festas de cultura, nas disputas literárias e científicas, nos jornais e suas facções diversas, distribuídos entre todos os campos ideológicos. Talvez esse último fenômeno tenha se transmudado, meio a torto, meio a direito, nas disputas pelo atual Diretório Acadêmico Demócrito de Souza Filho, e no fenômeno do Movimento Estudantil contemporâneo. Também não é na valorização da história, nem na robusta educação que aliava conhecimentos filosóficos (científicos e metafísicos) ao conhecimento técnico, numa abordagem etimológica do Direito, com uma bagagem forte da origem dos institutos em Roma.

Vivemos o tempo do anti-humanismo torturado! O tempo em que docentes e discentes fazem coro da decoreba do código e tomam como objetivo final da graduação a aprovação no exame da Ordem dos Advogados e/ou num concurso público. É o tempo da carreira pela carreira, do direito consumido nas sinopses para passar nas provas, no descaso com as estruturas do saber jurídico, da argumentação que “joga para os princípios”, da imagem que vale mais que o conteúdo. É o tempo dos revolucionários e reacionários que não conhecem a história da instituição, que criticam ou protegem mentiras: os primeiros criticam uma ilusão, empoderando o discurso conservador que pretendem vencer; os segundos tentam proteger uma conservação que nunca existiu como hegemônica. Ambos colam pechas e imagens que não condizem com a digna vida vivida dos que vieram antes de nós.

Hoje, 30 de abril de 2014, um professor questionou e lamentou em sala: onde estão os novos Teixeira de Freitas, Clóvis Bevilaqua, Pontes de Miranda? Ele poderia dizer mais: onde estão os novos Tobias Barreto, Silvio Romero, Phaelante da Câmara, Martins Júnior, Franklin Távora entre tantos outros? Mas é o mesmo professor que vai falar que a Faculdade de Direito do Recife não tem história no pensar filosófico, sociológico, antropológico! O mesmo professor que vai alegar que esses saberes são inúteis. É o anti-humanismo torturado, pior do que os piores pesadelos do memorialista do Ceará-Mirim.

Ora, o espírito não poderia ficar o mesmo, nem poderia gerar além do tão pouco, comesinho, sem vida e paixão que gera. E qual o futuro do espírito da Faculdade de Direito do Recife? Qual o limite para o quadro que se opera? Não é o espírito de Tobias Barreto. Taxativo: Tobias Barreto está morto.

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¹É aluno da graduação da Faculdade de Direito do Recife - Universidade Federal de Pernambuco. Estuda a vida e obra de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Fundador do grupo de estudo em Teoria Geral e Filosofia do Direito, Direito em Foco.