sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Tem – tinha? terá? – uma acácia mimosa no meio do caminho...


Por Fernando Melo¹ 

“Não há espaço hábil para essas mudanças. É uma área muito pequena, em uma rua estreita, com grande fluxo de veículos e essas alternativas para manter a árvore acabam trazendo um transtorno maior para a região”, argumenta Fernando Alencar, arquiteto do edifício, que ressalta que foram feitas tentativas de salvar a acácia. “Mas para esse empreendimento, não há uma outra opção”.

O arquiteto, sem precisar de muitas palavras, apresentou o grande problema que atrapalha o avanço da construção... E o problema, diferentemente do que o arquiteto provavelmente imaginou ao emitir tal declaração é a própria construção. 

Ele acabou de informar que o prédio vai de encontro a todos os princípios e regras imagináveis de direito urbanístico e ambiental que poderiam reger uma cidade mais "humana" e menos "progressista-louca". 

Afinal, quem, em sã consciência coletiva construiria um prédio em uma rua estreita e com grande fluxo de veículos? 

E mais, qual é preço de uma árvore? Uma árvore vale um prédio em uma terra de prédios? Vale um benefício para o tráfego? 

Alguns falarão do Direito de propriedade, a construtora comprou pode fazer o que quiser, além do mais o que é uma árvore, ainda que centenária perto da expansão do mercado imobiliário, gerador de emprego e renda? 

Em primeiro lugar, a propriedade não inclui automaticamente em seu bojo (pelo menos nas minhas leituras iniciais de dois manuais de Direito Urbanístico) o "direito de construir". O direito de construir é gerado a partir dos regulamentos urbanísticos, dos quais o maior é própria Constituição Federal, não há, repita-se, um direito de construir automático, a obediência a estrutura normativa é fundamental e neste sentido revela-se fundamental o respeito a uma cláusula inseparável do direito de propriedade: sua função social. 

A propriedade não pode passar por cima do interesse legítimo na preservação do maio ambiente, representado singelamente pela querida acácia centenária, uma senhora que provavelmente "chorou muito" ao ver suas companheiras serem derrubadas ao longo dos anos de forma completamente predatória para dar lugar a querida urbe hellcifense. Qualquer urbanista sério sabe que verticalizar uma cidade "mais caótica que o normal" como o Recife não é bom negócio para sua população, ainda que o sonho de consumo da mesma população seja morar em um bom prédio, com piscina, salão de festas e umas 3 vagas na garagem se possível; ou você leitor, nunca se perguntou o porquê de alagamentos, esgotos estourados, ruas esburacadas e uma calor infernal no Recife? 

Fica a reflexão e a torcida para que a querida senhora centenária permaneça, ao final, de pé para simbolizar a vitória da praça sobre o jardim. 

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¹Aluno de Graduação na Faculdade de Direito do Recife - Universidade Federal de Pernambuco. Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Membro do grupo Direito em Foco. Membro do grupo de pesquisa "Direito, Tecnologia e Efetivação da Tutela Jurisdicional". 

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Kelsen subiu o morro e encontrou uma UPP



Por João Amadeus¹

O tema e seus desdobramentos foram fruto de um debate acontecido durante reunião ordinária, à época as únicas que existiam, sobre, principalmente dessuetude, qual seja o efeito negativo do costume ao criar uma norma jurídica que revogue outra. Daí a estender o raciocínio a “direito achado nas ruas” sobrepondo-se ao direito Estatal é um pulo, aliás, dadas as circunstâncias atuais da sociedade, digo, do ambiente como um todo, até há um “convite” a fazê-lo.

Primeiro há de entender porque é mais útil, dentro do que sabíamos à época sobre a teoria de Kelsen, a ideia de dessuetude quando, inevitavelmente, passamos a discutir dentro do campo do direito alternativo e usos jurídicos alternativos. Um motivo é: argumentar pela revogação total da ordem estatal por outra, alternativa, é menos útil por causa do tamanho da primeira e sua complexidade, a partir daí ficam evidentes as consequências que deixam essa linha argumentativa menos atraente frente a dessuetude. Frise-se que digo “menos atraente” e não inútil, pois, se da situação atual à constatação empírica de dessuetude é um pulo, quiçá menor seja o desta observação à conclusa revogação total da ordem jurídica Estatal por outra.

Pois bem, delinearam-se duas posições claras no debate. A primeira, em linhas gerias, diz Dessuetude, ou algo muito próximo disso, ocorrer nas favelas e revogar as normas estatais referentes a um apanhado particular de condutas. Cristalizou-se o exemplo prático da Rocinha, pois é um monumento da “favelização” no Brasil, e o tráfico, cujo combate há muito deixou de ser batalha e hoje é guerra. Daí fica compreensível: tais pessoas resolvem seus problemas e seguem suas vidas regidas por uma ordem que pode ser qualquer outra, menos a estatal. Parece pacífico que a teoria normativista se mostra insuficiente à Rocinha: “Kelsen não sobe o morro”, simplesmente porque nunca teve contato com este tipo de fenômeno, sequer imaginou algo parecido, mas, se há algum conceito em sua teoria que possa ser aplicado sobre este exemplo prático é o dessuetude, e mais, além disso, resta claro que ele é concretizado com sucesso dia após dia.

As impressões que se tiram desta posição ficam no campo da validade e da eficácia, pois, por motivos de ineficácia reiterada da parte da ordem estatal que toca ao exemplo e aparecimento de novas normas com origem em práticas de costume (dessuetude) não mais essa parcela do ordenamento pronunciado pelo Estado vale (validade) e rege (eficácia) os traficantes da Rocinha.

Indo à outra posição, que, não tenho receio em dizer, parece-me a mais acertada, digo: não se pode dizer, frente ao exemplo adotado, nem da insuficiência da ordem estatal nem de dessuetude, absolutamente. Simplesmente por causa de uma consideração que não preocupa aos da primeira posição: se é empiricamente observável a ocorrência de dessuetude, porque não o é tão assim, via desdobramento, com a invalidade da parcela da ordem estatal referida no exemplo prático? Que a ordem, dentro da situação considerada, é ineficaz, resta claro, mas quando se passou a poder dizer o mesmo quanto à validade? Não foi feito, é impossível. Não há, absolutamente, possibilidade de dizer que do estágio de desobediência passou-se à revogação, à substituição de conteúdo normativo.

Como há um grande constrangimento da razão a favor da constatação sumária da ocorrência de dessuetude, o exemplo da Rocinha, também há outro que diz exatamente o contrário: a pacificação via unidade de polícia. Não se discute da eficácia ou não de tal instrumento, ou sequer de sua subversão frente à corrupção etc. São temas para outra discussão. O que resta claro, pelo menos a mim, é: se pelo menos se pode se cogitar a pacificação da Rocinha, então resta claro que o toca à validade da parcela da ordem jurídica do Estado condizente ao primeiro exemplo prático abordado carece de eficácia somente, sua validade, apesar de, talvez, questionada, prevalece. UPP é resposta a certos acontecimentos do “mundo” do “ser” que guardam relação com o conteúdo jurídico do “mundo” do “dever”, ou seja, é estrutura que estende a eficácia do Estado de um modo que demonstra deste ser o único detentor da plena coercitividade, quer seja da possibilidade de coação irresistível, como temos visto ultimamente.

Esse debate passa por duas grandes questões: “comparando-se o poder estatal com o poder do tráfico, qual deles realmente tem a coercitividade?” e “aconteceu de fato algo que constranja de tal maneira a razão a ponto de apontarmos a existência ou não de dessuetude? Resta claro, para mim, que a pacificação, por mais hipócrita que soe esse nome, é um episódio do “ser” que claramente corrobora um “dever” que todos nós sabemos qual é, por mais que alguns de nós não o queiram admitir: o do Estado. Em paralelo a estas duas questões, há de se ter em conta duas ressalvas: o tempo de manifestação histórica desses tipos de acontecimentos, principalmente no que tange à aferição de consequências e verificação de resultados, obedece a uma escala muito maior da qual habitua-se pensar no corriqueiro e ainda não ocorreu algo de Paulo Freire chama de “ação editanda”, que pode ser rasteiramente dita como um dado empírico que vá ampliar nossa percepção atual limitada e que, para fins deste escrito, não pode afirmar absolutamente de dessuetude na Rocinha. Algo parecido com isso há em Charles Peirce e a “regra zero” da abdução.

Por fim, a grande pergunta, esta sim de todo filosófica, logo a mais importante, e que, atualmente, pelo menos até onde o pouco que sei, não tem resposta, é: quando ações que guardam certa semelhança e são praticadas de maneira reiterada passam a ser costume?"

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¹ É aluno da graduação da Faculdade de Direito do Recife - Universidade Federal de Pernambuco. Membro do grupo Direito em Foco. Membro do grupo de pesquisa: As retóricas na história das ideias jurídicas no Brasil originalidade e continuidade como questões de um pensamento periférico.

Artigos de novos membros no JusNavigandi

Membros do Direito em Foco lançando artigos no Jus Navigandi.

Seguem as novidades:


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Alguns artigos tomaram como base fichamentos realizados pelos alunos em seu primeiro período na Faculdade de Direito do Recife/UFPE.