terça-feira, 20 de maio de 2014

Mais do que técnica


Por Ednaldo Silva¹

Fui e voltei. Representando o Direito em Foco, fui ao VIII congresso sobre ensino jurídico da ABEDI em Brasília e ouvi as mais diversas ideias para reformulação da educação jurídica, além dos vários relatos de experiências inovadoras que deram certo, como a FGV. Então, voltei a Recife, voltei à FDR. E (re)senti os mais diversos problemas da tal crise do ensino jurídico.

Porém, mais uma pergunta surgiu entre as várias outras que insistem em lotear meu pensamento: como querer mudar o ensino jurídico alterando apenas as formas, os modelos, sem alterar tbm a mentalidade dos juristas? Como buscar um ensino dialógico e reflexivo, voltado à prática jurídica,  em um espaço onde estudantes e professores pactuam em prol do menor esforço: "estudemos, quer dizer, memorizemos; tenhamos altos índices de aprovação no exame da ordem; e, por fim, usemos isso como um atestado de qualidade a ser exposto aos 4 ventos"? Como falar em protagonismo do estudante e educação jurídica local-global, a qual estaria atenta aos problemas da sua região, mas sem esquecer do grande desafio do século XXI, consolidar e tornar efetivas as democracias de todo o globo, em uma faculdade onde eventos estudantis são suspensos pela diretoria por  tratarem de temas políticos, os quais não seriam assuntos acadêmicos?

Talvez, por nossa crença neste modelo cartesiano de pensamento, onde padrões, fórmulas lógicas e leis da natureza são capazes de nos dar verdades e, assim, guiar-nos em prol do desejado progresso, tenhamos relegado a um segundo plano a importância dos sujeitos. Mas pensar uma reforma da educação jurídica observando apenas as técnicas, esquecendo daqueles que irão operacionalizá-las, é inútil. O problema da educação jurídica é, também, cultural. É ingênuo pensar que se muda uma cultura utilizando apenas de técnicas e esquecendo das pessoas. Tão ingênuo quanto querer culpar o normativismo kelseniano por um ensino jurídico q esquece das consequências políticas do direito em prol de meros debates "técnicos" inférteis, vale ressaltar. Kelsen, ao pensar uma forma extremamente pragmática de observar a prática jurídica, em momento algum descartou a importância da política no funcionamento do direito, por exemplo. Se é necessário encontrar culpados e apontar dedos, que se culpe aqueles sujeitos que manusearam e manuseiam a teoria kelseniana descartando os tais "saberes auxiliares", e não a técnica, pois esta não é dotada de vontade.

Enfim, só quero lembrar que não cabe querer colocar como protagonista de uma possível reforma da educação jurídica a metodologia usada em sala de aula, ou os critérios de avaliação, por exemplo. Na sociedade só há um protagonista: o sujeito. Enquanto o jurista continuar a ser o tipo de sujeito que, em sua crença, venera os conceitos jurídicos operacionais, como quem está diante de um panteão de Deuses, e que esquece as pessoas ao seu redor, será difícil concretizar grandes mudanças, mesmo com reformas metodológicas, pedagógicas e afins. E é por isso que, se me fosse permitido pedir algo a qualquer estudante de Direito, seria: por favor, leia "os miseráveis" e observe o quanto o direito foi capaz de criar um Jean Valjean perverso e cruel, totalmente diferente do Jean Valjean que, com seus carinhos, dedica-se a Cosette; depois olhe nos olhos de Javert, fiel servo da lei, e veja sua angústia ao descobrir que o criminoso que ele tanto perseguia nunca existiu, ao descobrir que a lei havia "mentido". Talvez também pedisse que escutasse o álbum "matita perê", de Tom Jobim, e/ou o "Da lama ao caos", de Nação Zumbi. Mas sem "motivos jurídicos", apenas pq são geniais; afinal de contas, só de direito não dá pra viver, não enche o "bucho".

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¹ É aluno da graduação da Faculdade de Direito do Recife - Universidade Federal de Pernambuco. Membro do grupo Direito em Foco. 

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