domingo, 11 de maio de 2014

NOTA DE REPÚDIO AO CANCELAMENTO DO SEMINÁRIO DE GÊNERO E SEXUALIDADE PELA DIRETORIA DO CCJ


Na nossa — sim, nossa — instituição foram várias as figuras que já clamaram por liberdade. De Castro Alves, passando por Demócrito, e chegando ao nosso colega Rob, que recentemente, em uma apresentação artística, reclamou em alto e bom som o direito de ser quem é também dentro da sua — é, sua — universidade; tivemos vários. No entanto, hoje, parte de nossas e nossos docentes demonstram não ter ouvido tantos clamarem por liberdade, e clamam por censura.

Censura esta que tenta se disfarçar de critério técnico: pertinência temática. Mas tal disfarce se mostra inútil. Querer cancelar um seminário sobre gênero e sexualidade alegando que este não trata de temas relevantes para a universidade vai, inclusive, na contramão dos vários debates "técnicos" no âmbito da educação universitária e jurídica. Além da pertinência temática clara da discussão sobre "direito à união homoafetiva", por exemplo, o debate sobre as condições políticas e sociais das mulheres, gays, lésbicas e outros grupos minoritários interessa sim aos juristas, na medida em que será sobre a vida dessas pessoas que nossos futuros bacharéis manusearão suas ferramentas jurídicas, tais quais a norma e outras categorias. Doutos senhores e senhoras, a pertinência temática na educação jurídica vai muito além da mera análise "dogmatista", a qual, esquecendo-se de todos os outros saberes auxiliares, ensina o direito de maneira extremamente pobre e ineficiente, sem sequer preparar os indivíduos para lidar com as categorias jurídicas na prática profissional. A Faculdade de Direito do Recife é sim um ambiente onde se deve discutir política, literatura, economia e outros temas diversos. Mestras e Mestres, temos um alto índice de aprovação na OAB, mas isso não significa que nossa educação seja de qualidade. Definitivamente, não significa que preparemos bons juristas.

A atitude de tais alunas e alunos, inclusive, deveria ser louvada. É a tentativa de suprir uma verdadeira lacuna na graduação de nossa casa, a qual fecha os olhos para o que acontece para além dos seus muros e não oferece em momento algum da graduação o debate de tal tema. É inaceitável dizer que tais eventos atrapalham as aulas. Mais uma vez o debate "técnico" no âmbito da educação universitária está em favor dos estudantes. Embora não seja uma das súmulas vinculantes que tanto vos agrada, é pacífico na "doutrina educacional" que a construção do conhecimento não está restrita às salas de aula. Estas são apenas mais um ambiente. Há estudos que demonstram o quanto entre seus iguais e em um espaço dialógico e reflexivo — características estas pouco presentes nas salas de aula hoje — as/os estudantes constroem conhecimento de forma mais efetiva. É frequente em debates pedagógicos o incentivo ao protagonismo da/do estudante na construção de sua formação acadêmica.

No entanto, tal posição de censura vai muito além dos debates técnicos. A recente declaração da nossa diretoria para o Jornal do Commercio, "aconteceu um show de transformismo e beijaço (homem com homem, mulher com mulher). A faculdade não é espaço pra isso", deixa claro que a suspensão do evento é sim política. O uso de um discurso técnico tenta obscurecer tal viés, mas a escolha foi sim política. E tal escolha política, vale destacar, não reflete diretamente o pensamento da diretora Fabiola Albuquerque, mas é um discurso que encontra muitas bocas para ecoá-lo, tanto entre professores e professoras quanto entre alunos e alunas. Algo que, inclusive, ocorre por uma razão maior até que os próprios protagonistas da intolerância aqui discutida: a cultura jurídica atual — num panorama externo e interno à FDR — traça um caminho rumo ao manualismo concursista advocatício jurisprudencial legalista. Não sejamos filhos dessa cultura, tanto alunos/alunas quanto professores/professoras. O direito é mais — ensino, pesquisa, extensão —. O direito pode mais. Só cabe, então, lamentar e demonstrar que, por mais que se tente limitar o espaço de uma instituição que é nossa, ele é um espaço livre.

Apesar de tantas demonstrações de agressividade diante de demonstrações de afeto entre homossexuais — talvez por não entender a importância do amor —, vos pedimos que amem mais, porque o amor é para todos.

PS: O Direito em Foco está disponível para auxiliar a diretoria, caso ache necessário, na construção das categorias do fazer científico-acadêmico e as questões de pertinência temática no Direito. Assunto que nos é muito caro e aparentemente não é tratado de forma muito coerente na visão da atual gestão.

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