domingo, 4 de outubro de 2015

Entrevista exclusiva com o Professor Newton da Costa

Entrevista com Newton C. A. da Costa

Por Victor Lacerda




Aviso: todas as opiniões do professor da Costa estão indicadas em itálico e devidamente sinalizadas pelo uso das aspas. As demais opiniões são de responsabilidade do autor do post

As credenciais do professor Newton da Costa dificilmente precisariam ser apresentadas. No entanto, como seu principal campo de estudos parece estar longe do direito, é preciso que seja feita uma introdução. Matemático, filósofo e lógico, o professor da Costa tornou-se internacionalmente conhecido durante os anos 60 com o seu trabalho sobre lógicas paraconsistentes. No entanto, não parou por aí. Publicou diversos trabalhos em filosofia da ciência, fundamentos da matemática e da física, bem como sobre outros ramos da lógica. Após esta breve introdução, o leitor pode se perguntar: o que um cientista como Newton tem a ver com os estudos jurídicos?

Parece mais um caso do problema já encontrado em um artigo já publicado neste mesmo blog: lógicos parecem se dar conta da importância de sua área para o direito, mas os juristas não se dão conta da importância da lógica para sua área. Indagado sobre o porquê de ter se interessado pelo direito, o professor da Costa afirma:

“Sempre me interessei pelas aplicações da lógica ao Direito. Fui muito chegado ao Professor Miguel Reale, com quem discuti o tema  diversas vezes. Ademais, um de meus melhores amigos é o Professor Francisco Miró Quesada, do Perú; foi ele quem escreveu o primeiro livro de lógica jurídica na América Latina. Troquei idéias  sobre o tema com ele, sistematicamente, durante muitos e muitos  anos.  Mais ainda, tive longa correspondência ou contatos pessoais  com G. H. von Wright  e J. Vernengo,  conhecidos filósofos do Direito, os dois com  contribuições à lógica jurídica e à lógica modal.”

Apesar de reconhecer que as discussões com tais acadêmicos foram catalisadoras de seu interesse, este tem como fundamento principal a vontade de ver as aplicações da lógica em todos os campos do conhecimento. Perguntamos, então, sobre a visão que o professor tem do atual cenário da lógica jurídica no Brasil:

“Parece-me que, com poucas excessões, os cultores do Direito brasileiros  não são atraídos  pelas pesquisas em lógica. Todavia, há, atualmente, um grupo de jovens, liderados por meu ex-aluno, Juliano Maranhão, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que está realizando um trabalho fundamental no domínio da lógica jurídica e temas correlatos. Da mesma forma, Cesar Serbena lidera, na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, outro grupo que se devota à lógica aplicada ao Direito.”

O professor também sugere um curso de ação a ser seguido se cursos jurídicos desejam avançar na lógica jurídica:

“O ponto central para o jurista que quer contribuir para o desenvolvimento da lógica juridica, é o de se dedicar, preliminarmente, à lógica hodierna. Não basta, para isso, apenas o conhecimento da lógica tradicional, centrada em Aristóteles. Como Quine afirmou, a lógica atual está para a lógica de Aristóteles como a matemática moderna  está para a aritmética das tribos primitivas. Isto não significa que a obra lógica de Aristóteles não seja genial para sua época, porém que foi apenas um começo.”

Ou seja, se quisermos fazer lógica jurídica de fato, é preciso que os professores entendam que a ideia de silogismo aristotélico está ultrapassada. O famoso exemplo “Sócrates é mortal” não captura, com qualquer relevância, o que é feito em lógica jurídica mundo afora. A lógica foi um dos campos do saber científico que mais avançou durante o século XX, e, para o professor da Costa, trazer este campo de conhecimento para os cursos jurídicos é importante:

“Há diversas razões para se ministrar lógica nas Faculdades de Direito. Em primeiro lugar, as técnicas de inferência são centrais para o jurista e ele, certamente teria imenso lucro em ampliar seu horizonte estudando essa disciplina. Ademais, a informática judicial, que está invadindo toda a atividade do jurista e do advogado, em geral, funda-se na lógica. Conhecer os fundamentos desse ramo do saber seria, então, da mais alta relevância. Aliás, a lógica foi uma das disciplinas que progrediu de maneira incrível nos dois últimos séculos. Entre os cem mais notáveis cientistas do século XX, a revista Time, no início deste século, incluiu dois lógicos: K. Gödel e A. M. Turing. O que eles realizaram afigura-se como algo extraordinário, com reflexos em todos os aspectos de nossa cultura.”

A aproximação do direito com a ciência da computação (através da criação de sistemas especialistas e softwares de representação de conhecimento, p. ex.) levanta diversas questões teóricas que caminham na interseção entre os dois campos. Uma dessas questões é acerca dos limites da computabilidade: 

"Hoje em dia, computabilidade significa computabilidade segundo Turing (ou algo equivalente). Não creio que o Direito seja inteiramente computável à la Turing. Porém, penso que em pouco tempo o Direito será informatizado (via Turing) na medida do possível (o que já praticamente acontece, em grandes centros, como em tribunais dos Estados Unidos), facilitando muito a aplicação do Direito."

O debate sobre computabilidade, decidibilidade, consistência e completude de sistemas formais é de suma importância na matemática e na lógica, e seus efeitos são sentidos em todos os campos aptos a serem formalizados e, em certa medida, programáveis. Turing, em seu famoso paper entitulado Computable Numbers introduziu a noção de Máquina de Turing, que expõe os limites (e a força) dos algoritmos. (Para explicações pedagógicas, ver, por exemplo: Video 1 / Video 2).

Perguntamos ao professor, depois de tudo isto, se haveria algum tipo de aplicação das lógicas paraconsistentes ao direito:

"No presente, há várias lógicas além da clássica. Esta é uma característica de nosso tempo e se constitui em notável traço da ciência contemporânea. A lógica paraconsistente, em particular, além de sua dimensão teórica, encontrou as mais variadas aplicações em teoria da argumentação, robótica, Inteligência Artificial, informática, mecânica quântica, grandes centrais de distribuição de energia, controle de tráfico em cidades populosas e medicina, entre ouras. Sem dúvida, ela poderia ser utilizada, por exemplo, na investigação dos paradoxos deônticos, em especial nos jurídicos, e da incompatibilidade entre normas jurídicas. Todavia, somente o futuro poderá decidir qual será  o papel da  paraconsistência em Direito."

Como se vê, a lógica é um campo que apresenta consequências teóricas e práticas para o direito. Além disso, é uma matéria vasta, em que há muito espaço para avanços e novas ideias científicas. Essa aproximação do direito com as ciências exatas poderia muito bem tornar-se interessante para a UFPE, que poderia ser uma das primeiras instituições nacionais a fazer pesquisas sérias na área. Inclusive, diante da universalidade das ciências exatas, o CCJ poderia, no futuro, entrar no diálogo científico internacional, algo inexistente hoje em dia.

Por fim, o professor da Costa aconselha que estudantes de direito que queiram estudar lógica seriamente no Brasil devem:

“Tratar de se aproximar de boas instituições tais como o Centro de Lógica da Universidade Estadoal de Campinas  e do Grupo de Lógica da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; também merecem destaque o  Centro de Lógica do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina  e o Grupo de Lógica  da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná.”

O Direito em Foco agradece o professor da Costa por ter nos dispensado um pouco do seu tempo para nos conceder esta entrevista. 




2 comentários:

  1. Newton da Costa é uma das maiores personalidade da ciência do século 21 e um dos seus maiores, senão o maior, lógico. Bom que seja brasileiro. Vida longa, professor!

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  2. Muito boa a entrevista!
    Parabéns ao Direito em Foco pela iniciativa!

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