segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

A emergência filosófica desafiadora e o motivo de não temer a Escola do Recife


– CONGRATULAÇÃO AO 3º ANO DE ATIVIDADES DO GRUPO DIREITO EM FOCO – 


Esse registro, que agora faço, está atrasado. Muito atrasado está esse registro. O cerne do enredo deste comentário é: o Direito em Foco completou seu terceiro ano de atividades. O clímax deste comentário “foi”: a data oficial de fundação do grupo é 25 de janeiro de 2012. 

Assim sendo, redimo, ainda que insatisfatoriamente, o meu atraso.

O Direito em Foco é primordialmente um grupo de estudos, como muitos sabem e outros não. O grupo surgiu entre debates de grupos das turmas D e N que formam a minha sala – turma da noite, 2010.2. As primeiras discussões e acertos sobre os contornos, temas e objetivos primários surgiram dos diálogos que eu e Saulo Calado travávamos no corredor da Faculdade de Direito do Recife. Especificamente, ficávamos angustiados com a dogmatização do curso de Direito – realidade hoje atenuada pelo novo Projeto Pedagógico de Curso.

As ideias acerca de um grupo que se dedicaria ao estudo de elementos “zetéticos” (filosóficos) relacionados ao direito, tem a raiz temporal mais longínqua no final do meu segundo período, ainda no ano de 2011. Em 2012, nos reunimos no Facebook, organizamos uma primeira reunião-piloto e executamos a proposta. Muitos apareceram e muitos se foram. Muitas reuniões estiveram cheias, outras tantas vazias – encontros com três resistentes membros em véspera de feriados.

Eu gostaria de elogiar as atividades do grupo de forma indiscriminada, mas terminando a graduação, nos últimos lances dentro da Faculdade, eu só consigo pensar no passado e em alguma dimensão do vazio. 

Nós emergimos da crosta dogmatista da FDR como os “ex-monitores de IED”, como “o povo amostrado de filosofia”. O grupo apareceu num contexto de total descaso com uma “bandeira da filosofia”. Precisamente num contexto em que muitos “veteranos” criaram verdadeiros estereótipos, negativos e aprisionantes, do “filosofar”.  

Martelamos, desde a primeira reunião, que os conhecimentos jurídico-filosóficos e metajurídicos são vitais para entender o direito, apesar de tantos insistirem no contrário – com especial atuação dos professores. Mais: tais saberes são necessários para executar uma ação politicamente situada e abandonar a ingenuidade de uma ideologia que, exagerada em seus contornos, deixa de ser norte e motor, para ser quinquilharia retórica de ataque e disputa egóica. Enfim, conhecimentos necessários para saber que uma boa técnica jurídica não quer dizer, necessariamente, alienação e que a transcendência no direito passa mais por melhor entender seus mecanismos normativos e sociológicos, do que gritar na rua que as instituições são viciadas e estão fadadas, ab initio, ao fracasso retumbante.

Outras pechas foram jogadas no grupo com o passar do tempo “esses filósofos conservadores”, “eles só vão para as reuniões para fazer uma disputa de egos”. Enganos sobre enganos. Enganos que viraram irritação aqui e ali, pois me parecem até hoje palavras desferidas pelos que não ouviam a música que queriam ouvir, exemplificando o que é ser “não democrático”. 

Mas tudo acabou virando risada... 

No último ano, respondemos a diversas acusações com nosso humor sem graça, alterando o nome do grupo para “Direita em Foco”, “Esquerda em Foco”, “Ditadura em Foco”, “Dilma em Foco”... Por sinal, desde então, o nome que menos aparece no nosso WhatsApp é “Direito em Foco”.

O DF se aprimora enquanto grupo, prestigiando a individualidade dos sujeitos. É algo que me enche de orgulho. Tanto que algumas frases se tornaram fáceis na minha boca e dedos: “o lema do grupo é defenda-se!”, “o dirfoco é um palco de ensaio de retórica e oratória”.

Entre discussões sobre a norma, sobre a falta de eficácia do direito, lacunas e cadeiras, percebemos que o motivo da nossa existência coletiva, qual seja, uma reação à falta de valorização dos saberes que nós valorizamos com dedicação próxima, estava deixando escapar questões estruturais. Sim, de tanto debater filosofia e apontar falhas aqui e acolá – muito mais num exercício irresponsável e livre do que compromissado com solucionar qualquer coisa – percebemos que o problema da Faculdade de Direito do Recife era maior, em escala nacional: era o problema medular, histórico, do ensino jurídico

Num contexto em que alguns grupos especializavam seus debates e atuações e outros ignoravam sumariamente o tema, o Direito em Foco decidiu que deveria “sair da caverna” para disputar numa arena mais ampla os rumos do ensino jurídico brasileiro – sim, o grupo tem, muito por culpa minha, uma megalomania bem recifense, bem fdrriana.  

Deixarei o passado. Fazer as contas descontando os débitos e resgatando os saldos é uma atividade de pesquisa história e não de um texto comemorativo. 

Olho para o futuro: o grupo se diversificou, ampliou sua participação feminina (importante bandeira pela participação das mulheres na filosofia jurídica, hasteada em 2013) e, mais uma vez reafirmou sua decisão de ocupar espaços internos e externos para discutir o ensino jurídico. Hoje posso dizer que estamos em contato com diversos professores da Faculdade de Direito do Recife e de outras instituições. O grupo vai, teimosamente, se apresentar como um contravetor ao modelo de ensino jurídico praticado hoje no país. 

Levando toda a nossa “cara-de-pau” e constante acidez, começamos as atividades deste quarto ano com uma agenda, um planejamento e um método de gestão. Somos um grupo pequeno, multifacetado, com membros ocupados com questões práticas e abstratas, mas somos um grupo incomodado, culturalmente inconformado e é chegada a hora de incomodarmos, franca e abertamente, nosso entorno. 

Parece-me que o grupo não se interessa pela hierarquia, apesar de ter habilidade retórica para lidar com ela. Além disso, o Direito em Foco não tem esse respeito laudatório que mina o debate produtivo e construtivo, chegando a ousar falar num tom que, se é desrespeitoso por um lado, é extremamente respeitoso por chamar e reconhecer qualquer sujeito e instituição dentro de um debate (lembram? “Defenda-se!”). 

Três anos completos – apesar de muita gente ter achado que seriamos mais um grupo natimorto. Um quarto ano se inicia: eu não poderia estar mais satisfeito em ter plantado essa semente e ver que ela está dando frutos entre discentes e docentes. 

À Faculdade de Direito do Recife, especialmente aos nossos professores, eu gostaria de propor um desafio e um convite aberto: Preparem-se!  

Nós não temos medo da história, nós não recusamos nenhuma forma de crítica, nós somos – é assim que eu vejo – o espírito redivivo da Escola do Recife, sem devaneios e ilusões: faremos existir Academia, onde hoje só existe uma continuação perversa de um ensino médio de autômatos.

Entre estudos, polêmicas, palcos, esgrimas e ridicularização autoimposta, percebo que Tobias Barreto ainda vive.

Recife, 09  de fevereiro de 2015

André Lucas Fernandes
Membro Fundador

Nenhum comentário:

Postar um comentário